segunda-feira, 4 de julho de 2011

Pink Flamingos, por Lucas Freire


Se algum dia John Waters teve alguma intenção de impactar seu público com algum filme, essa intenção veio com Pink Flamingos. Mesmo não acreditando nessa pretensão, é difícil imaginar como um diretor realiza tal filme sem nem ao menos pensar em como isso impactaria seu público. Escatologia, brutalidade, sexo e o imoralismo transbordam para todos os lados neste filme que representa, numa vertente paralela, o novo cinema hollywoodiano que se iniciava na década de 70.

Babs Johnson, ou melhor, Divine, é uma travesti, da cidade de Baltimore que acaba de receber o título, dado pela imprensa, de “a pessoa mais pervertida do mundo”, lá, ela mora em um pequeno trailer com sua família. Entre eles, Crackers, seu filho adepto das drogas e da zoofilia, Cotton, uma amiga, companheira e voyeur e sua mãe retardada Miss Edie, que vive em um berço e tem como alimentação favorita, ovos. Se já não bastasse, do outro lado da cidade, nos é apresentado o casal, Connie e Raymond Marble, que tanto almejam o título de Divine, e como argumento para receber tal título, Connie afirma:

“Acreditamos que Raymond e eu superamos de longe em todos os sentidos do termo perversão. Como sabe, temos um negócio de bebês. É um processo bem simples. Temos duas garotas o tempo todo que são fecundadas por Channing, nosso melhor empregado fértil. Vendemos os bebês para casais gays e então, investimos o dinheiro em vários negócios pela cidade”.

E Raymond completa:

“Somos donos de algumas sex-shops e mais, emprestamos dinheiro para uma rede de traficantes de heroína vender em escolas primárias nas cidades do interior”.

E por esses motivos, o casal tenta a todo custo arruinar com a fama de Divine e roubar dela, o título de “mais pervertida do mundo”. Depois de uma verdadeira alegoria de freak shows, o filme continua, cada vez mais, chocando os desavisados.

Se tratando da técnica, o filme é deplorável. Ele vai contra todos os preceitos que Hollywood tanto se esforçou para manter. Cortes mal-feitos, continuidade inexistente e a própria narrativa tem seus imensos defeitos, sem contar com as atuações de não-atores que só contribuem para tornar mais tosco ainda o que já é. A escolha da trilha sonora é fantástica para quem aprecia pérolas do rock’n’roll, que vai de Trashmen até Little Richard. Mas como se não faltassem mais defeitos, até o uso dessas músicas no filme é péssimo. Tantos erros grotescos, falhas bizarras e a técnica digna de lixo, na minha visão, só conseguem atribuir mais valores positivos ao filme como um todo. Pois afinal, estamos ou não nos tratando de um filme ícone do underground?

Pink Flamingos desafia, sem pretensão alguma, os conceitos éticos e morais da época ao propor uma visão controversa e bizarra da sociedade. Como John Waters realiza isso? Simples: põe-se uma protagonista travesti obesa com nome artístico de Divine, que se vangloria por ter recebido o título de pessoa mais pervertida do mundo. Toda essa áurea distorcida se intensifica quando o diretor põe também todos os personagens restantes do filme como adeptos de tais conceitos controversos. Alias, em nenhum momento do filme é presenciada uma objeção sequer à protagonista Divine o a qualquer outro personagem. É como se Baltimore e todos seus moradores fossem um enxerto imoral e antiético dentro do mundo contemporâneo. Lá, todos são intocáveis e ninguém é punido por suas ações.

O filme é insano do início ao fim, não há uma trégua sequer nos seus 90 minutos de duração e quando você pensa que não pode mais ser surpreendido, eis que surge no mais famoso epílogo do cinema underground, Divine saboreando fezes recém feitas de um cachorro e abrindo um lindo sorriso marrom para o espectador.

Pink Flamingos é um filme para poucos: os poucos que possuem estômago forte, os poucos que não são politicamente corretos, os poucos que têm paciência para um filme extremamente mal feito e com péssimas atuações. Felizmente (ou não) me incluo nesta pequena parcela que apreciou, seja com feições de nojo ou com risos de puro humor-negro um típico cinema classe B. Pink Flamingos renovou, definitivamente, os conceitos de cinema trash e undreground. Me perdoem os fãs de Ed Wood e derivados, mas John Waters e sua despretensiosa pequena relíquia têm muito mais êxito no que se entende por esse estilo de cinema do que qualquer outro que já tenha tentado fazer algo do gênero.