quarta-feira, 12 de dezembro de 2007

"Um certo filme francês" por Laura Buarque Cortizo


A vida do jovem Antoine Doinel, ao ser expulso do exército francês, passou sem sustos nem grandes surpresas. Sem conflitos relevantes ou perspectivas promissoras. Foi assim: simples. E a normalidade poderia passar despercebida, parecer chata, monótona. Mas o jeito do diretor francês François Truffaut contar histórias muda tudo. Beijos Proibidos (Baisers Volés, 1968), terceiro filme da série iniciada com Os Incompreendidos (Les Quatre Cents Coups, 1959), é leve, calmo e envolve o telespectador sensível. Filmado em um ano em que a França efervescia de acontecimentos políticos e culturais, o longa faz questão de olhar para o outro lado. Faz questão de exaltar o cotidiano, o comum, o simples embalado pela leve canção de Charles Trenet, Que reste t'il de nos amours? (O que restou dos nosso amor?).


Aparentemente apático diante do fim de sua carreira militar, Doinel, famoso alter-ego de Truffaut, retoma seu romance com a bela Christine Darbon (Claude Jade) e, depois da tentativa frustrada de trabalhar como recepcionista em um hotel, passa a investir na carreira de detetive particular. A nova profissão envolve o protagonista, embora o mesmo não demonstre ser talentoso para a atividade. Esforçado em suas investigações que, vale ressaltar, não são exatamente casos perigosos, complexos ou importantes, Doinel passa por situações no mínimo curiosas. Nesse aspecto a genialidade de Truffaut é quase palpável, pois as pessoas que cruzam o caminho de Antoine poderiam parecer ridículas, mas são o tempero da trama. É o caso do senhor Tabard, dono de uma sapataria que teima em estar sendo perseguido, pois ninguém o suporta, exceto sua mulher. Personagens um tanto caricatos e muito bem interpretados como senhor Tabard, conduzem um enredo leve e divertido, mesmo diante da falta de perspectiva e da melancolia percebida na vida do protagonista.


A propósito, um dos elementos que conduzem o longa de forma mais sutil e eficaz é a interpretação dos atores. A começar por Jean-Pierre Léaud, que vive os dramas, mentiras e alegrias do protagonista Antoine Doinel desde o primeiro filme da série, parece ter incorporado todos os gestos e traços da personalidade de Doinel. Léaud, dá vida a Antoine com humor, leveza e espontaneidade. O olhar e as expressões facial do ator são fundamentais para entender o sentimento de estar deslocado, característico do protagonista. O elenco todo segue essa linha. A namorada de Antoine, seu chefe, os clientes paranóicos e problemáticos do escritório de investigações, todos incorporam seus papéis da melhor forma, mesclando caricatura com naturalidade.


Criador da Nouvelle Vague e, portanto, defensor da produção autoral Truffaut deixa clara sua marca na obra. O humor, a melancolia, a nostalgia e o cotidiano dão vida e sustentam o longa e toda a sua poesia. A sutileza temática e formal, também. Detalhes como o fato de os autores fecharem portas na frente da câmera e da mesma “esperar” ao pé da escada enquanto os atores sobem dão idéia do cuidado estético que o diretor apresenta. Assistir a Beijos Proibidos é ser conduzido durante 90 minutos na vida de um personagem tão complexo quanto qualquer um de nós, mas simples o suficiente para ser uma boa companhia em um passeio pelas ruas de Paris. E essa sensação de leveza é prolongada por um fim de filme que na revela nada, mesmo porque o filme não acaba.

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