sábado, 14 de julho de 2007

"O abraço partido" por Talita Marques


O abraço partido


Mario Vargas Llosa chama de “o dado escondido” uma espécie de hiato que pode existir em um romance, uma lacuna premeditada que faz o leitor conjecturar sobre a obra, enriquecendo a troca. Digamos que a obra de Daniel Burman possui esse interessante predicado. Alguma explicação não-arbitrária falta, a composição dela não segue bem uma convenção e, também por isso, O Abraço Partido é um belo filme.
Ariel largou o futuro como arquiteto e uma namorada de anos e passou a trabalhar com a mãe em uma loja de lingerie. A loja fica em uma galeria decadente de uma Argentina igualmente empobrecida, com inquilinos de diversas nacionalidades.
O personagem, achando não pertencer àquele lugar, enfrenta os trâmites para conseguir um passaporte polaco, por isso se reaproxima da avó, que há muito evitava. Passa o tempo livre com a esquisita espécie-de-namorada, que trabalha no cybercafé ao lado da loja de calcinhas. O irmão, com quem tem uma relação bastante amigável, também participa do comércio local, vende produtos importados de procedência e funcionalidade duvidosas.
A mãe é judia, mas não exatamente típica, apesar dos bolinhos nunca faltarem. Mesmo tendo o marido a abandonado, possui por ele devoção grande, que só depois Ariel traduz como culpa.
No terceiro dos quatro filmes que o diretor trabalha com Daniel Hendler, há espaço para cenas fantásticas, como a do casal da realeza coreana que de lá escapuliu e agora vende feng-shui na galeria ou, ainda, o fabuloso conserto do rádio número 30.
O abraço partido fala da vontade castrada de gostar de um pai que se foi sem muito ser explicado. Não apenas o ócio recorrente na vida de Ariel o fazia pensar muito no pai; a ele apenas havia sido contado que seu pai fora, nos anos 70, lutar no Yom Kippur e, por vontade própria, não voltara.
As informações suprimidas por toda a vida eram responsáveis por sentimentos ininteligíveis para Ariel e que, possivelmente, impediam-no de entrar no mundo adulto. Há constante incoerência na relação do filho com o pai, Ariel parece lutar todo o tempo para sufocar o amor e a admiração que sente. Não queria falar com ele quando telefonava e, concomitantemente, negava-se a comer na lanchonete por conta do famigerado episódio da maionese estragada.
Uma seqüência de acontecimentos ordinários vai entrecortando a história do filme e dá a ele uma dinâmica particular. O filme poderia ser inserido no grupo dos que, aparentemente, falam sobre coisa alguma e que mostram esse nada de uma maneira delicada, sem espetacularização ou maneirismos. E com boas interpretações e um roteiro capaz.

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