quarta-feira, 23 de junho de 2010

"Caravaggio" de Derek Jarman.



Há uns três meses assisti um péssimo filme chamado, “A Condessa de Sangue”. Este filme húngaro conta a história de uma condessa (Bathory) da idade média que aparentemente foi denunciada por outros senhores feudais por haver matado virgens para se banhar em seus sangues e assim, ficar eternamente jovem. O filme é uma droga, coisa que em nada tem haver com o filme a ser resenhado. Infelizmente, contudo, em um ponto, os dois se relacionam.

O diretor húngaro, por algum motivo que não se sabe muito bem qual, resolveu colocar o pintor italiano, Caravaggio, na corte húngara da Lady Bathory e pior, fizeram-no de amante pessoal e pintor virgem e pueril da condessa.

Algo não cheirava bem, mesmo ainda não o conhecendo. Na pesquisa pósfilmica, descobri sua fama, suas chagas e suas belíssimas pinturas! As melhores de todas (palavras minhas). Tornei-me um grande fã do pintor. Importante! Caravaggio nunca esteve na Hungria.

Enfim, depois dessa introdução sem lógica e alguns meses de espera, surge a oportunidade de assistir Caravaggio (Derek Jarman, 1986), e perceber outra abordagem do mesmo gênio – muito melhor do que o melodrama acima criticado.

Uma biografia de Caravaggio seria impossível. Faltam dados concretos, excesso são os mitos. O cineasta britânico sabia disso e não perdeu tempo. Ao invés de correr atrás de uma sombra, recriou o “mito Caravaggio” a sua imagem, semelhança, interpretação e desejo. Em seu filme o espectador absorve a trama da vida e morte – e sensações – do pintor ao mesmo tempo em que é inserido na atmosfera barroca das suas pinturas.

Derek Jarman, não só recria o pintor, explicando-o a partir de sua própria interpretação da obra, ele parece também perseguir uma recriação passo-a-passo das obras de Caravaggio, formulando-as dentro de sua própria linguagem, o cinema.
Isto é tão evidente que podemos notar nos quadros que o personagem Caravaggio (Nigel Terry) pinta uma bela composição artística, expressionista (coisa e tal), mas nada parecido com as obras do pintor real. Para Jarman, não cabe ao interprete do pintor italiano a feitura os grandes quadros. Cabe a ele próprio realizá-los através da experiência fílmica. Assim, todas as referências dos quadros de Caravaggio estão nas figuras humanas que posam para ele, nas cores de suas mantas, no belíssimo jogo de luz e sombra que domina os espaços cenográficos, nas condutas dos personagens, aprisionados ao instinto ácido e doentio do pintor que também se divide ora na fixação pela religiosidade, ora em seus pecados mais extremos; a luxúria e a lascívia.

Pausa.



Autoral muito mais que biográfico. O respeito ao típico filme medieval, com suas vestimentas, suas condutas, seus estereótipos – inevitáveis por se tratar de uma época tão distante e obscura – é quebrado pela estética intimista do autor. Na obra, alternam-se figurinos de épocas medievais e contemporâneas. Calculadoras, carros, canetas: telefones? Possivelmente. Tudo parece destoar de uma biografia. Um enigma.

O universo fílmico parece transcrever a admiração do diretor ao pintor e sua obra. Admiração que transcende eras passadas e entra na nossa com força renovada.
O filme de Jarman, assim como os quadros de Caravaggio, traduz a natureza humana inata: a natureza dos sentimentos humanos diante das coisas naturais como a fome, a morte e o desejo; e das coisas sobrenaturais; os anjos, Deus e o pecado.
Derek Jarman liberta Caravaggio das amarras do seu tempo e liberta seu espírito na imensidão das eras em um filme-pintura único.


Em “Caravaggio”, pintor e cineasta se unem em ego e alter-ego. Derek Jarman parece trazer suas paixões a tona, e, em sintonia com as dúvidas e desejos do pintor barroco, pinta o mundo de forma idêntica. Seria porque o protagonista carrega a personalidade do autor?

Derek Jarman fez o certo. Atingiu o espírito do pintor através de suas pinturas, e assim também nos força durante o filme. A sintonia é completa. Caravaggio pinta a humanidade e seus sentimentos em pinturas que parecem se movimentar. Jarman pinta Caravaggio, a humanidade e seus sentimentos com imagens em movimento que parecem pinturas.

3 comentários:

  1. Maravilhosoooooooooo!!! Parabéns já assisti a esses filmes tb. E sou fã de Cravaggio.. bjos

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  2. O filme é muito bom. A fotografia impressiona realmente, mas me arrependi de tê-lo assistido, pois desconstruiu a imagem que tinha de Caravaggio.

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  3. A trama sobre Bathory é tão bem descrita na introdução feita pelo monge que, toda a crítica sobre o filme sobre o seu viés perde a coerência no meu "ponto de vista" assim, respeito sua opinião mas presumo que resulta dela o fato de não ser um apreciador do obscuro.

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