sábado, 14 de fevereiro de 2015

“Cria Cuervos” (1976), de Carlos Saura, por Matheus de Arruda



Um drama com jeito de thriller, ou talvez um thriller com jeito de drama. Em sua natureza “Cria Cuervos” é um estudo de caráter minucioso em relação a jovem menina que protagoniza a história, e visto sob certo ângulo, um estudo de caráter minucioso da juventude da Espanha da era de Francisco Franco.

Debruçando-se sobre as complexidades psicológicas da infância da menina Ana, o filme nos apresenta a uma visão aterradora da juventude, propondo que a infância é, em vez de uma era nostálgica de felicidade, um período sombrio e confuso da vida onde tudo é mutável e seus únicos guias (seus pais) de certa forma conhecem tão pouco da vida quanto a própria criança.

Uma premissa cínica, beirando no niilismo, que moldura um enredo cínico. Não há certo, nem errado, apenas fugazes tentativas de encontrar a verdade e talvez a felicidade por parte da jovem (e velha) Ana e outros personagens. Como se para enfatizar o sentimento perdido de ideologia, Cria Cuervos tende a misturar sequências de fantasia, flashbacks e flashforwards na narrativa atual, forjando um tempo psicológico e não literal. O próprio tempo em que os eventos decorrem está subjugado a interpretação débil da mente de Ana, e é tão maleável quanto a própria Ana em sua tentativa de entender o mundo que lhe é tão hostil.

É tudo um mistério impenetrável, o mundo adulto tão mistificado que Ana contempla, repleto de mentiras e incongruências lógicas que Ana (ou a audiência) nunca consegue plenamente compreender e quando os créditos começam a passar, a audiência e a Ana igualmente não entendem nem mais nem menos do mundo que os cerca do que entendiam ao começo de todo o conflito. Toda a exploração da mente perturbada de Ana não produz um resultado sólido, mas apenas uma interrogação retumbante. Morte, passado, futuro, sacrifício, traição, vingança, assassinato, arrependimento, carinho, palavras de significado débil e maleável neste enredo e na mente de Ana (que no fim das contas são efetivamente a mesma coisa). Respostas não são claras, a incerteza permeia o enredo.

Quando se considera o período da concepção do filme, a localização, os temas, a inclinação política de seu diretor e alguns detalhes cruciais (como o fato que vários personagens são militares), se torna fácil ver Cria Cuervos como uma analogia a Ditadura de Franco na Espanha, a incerteza impenetrável da infância de Ana dialogando com a existência torturadamente incerta de um indivíduo sob os atentos olhos da ditadura de Franco e sua opressão da verdade. No entanto, apesar desta óbvia interpretação, a análise se expande além das fronteiras políticas, se tornando uma constatação sobre o espírito humano e sua futilidade.

Este exercício de incerteza, empenhado por um punhado de crianças (uma que tenta imitar seus pais, outra que nem tenta entender o mundo, e nossa protagonista que tenta e fracassa entender o mundo a seu redor) e uma adulta (que falha em achar um rumo correto ao fim do filme) é complementado pelo visual sóbrio, beirando no sombrio, que o filme tem. Cores mudas, uma atmosfera cinzenta, e até a canção principal (Porque Te Vas) parece indecisa e contraditória (um ritmo animado e feliz em contraste a letra amarga e deprimente). Cada cena parece construída para o propósito de enfatizar esta mensagem, do vazio de significado que se alastra como um incêndio pelo filme.

No fim das contas, este estudo de incerteza e futilidade se tornam uma função por si só. O vazio é o preenchimento, e a jornada que não leva a lugar nenhum é a destinação. A falta de significado acarreta todo o significado possível. Uma conclusão melancólica, mas não menos verdadeira.




4 comentários:

  1. Gostei muito, excelente crítica. Um resumo do filme para quem ainda não viu.

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  2. Assisti este filme há muito tempo ,mas só agora pude compreender melhor o seu significado!O diretor nos leva Subjetivamente a verdadeira estória!

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  3. Assisti este filme há muito tempo ,mas só agora pude compreender melhor o seu significado!O diretor nos leva Subjetivamente a verdadeira estória!

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