A primeira
sequência do filme, um imenso jardim de girassóis onde se vê ao fundo uma
pequena família, que é também uma família na vida real, passeando é quase a
síntese da vida levada por aquele casal e seus dois filhos: François, o
carpinteiro e Thèrese, a costureira, levam uma vida bucólica na pequena cidade
francesa de Fontenay. Não há dúvidas do carinho mútuo e os dois são felizes em
passar os dias seus dias revezando entre o trabalho e a criação do pequeno
casal de irmãos Gisou e Pierrot. Seu lazer nos fins de semana é fazer
piqueniques e passear no campo. A trilha sonora composta por Mozart combinada
com a fotografia em cores pastel ajuda a tornar a rotina daquela casal que não precisa
de muito para considerar-se feliz, tão detalhada ao longo do filme, ainda mais
encantadora. Max Ophuls disse uma vez "a felicidade não é alegre". A
felicidade do casal é simples, serena, quieta e parece inabalável, mas até que
ponto?
Numa viagem a
uma cidade próxima, ao dirigir-se algumas vezes ao centro dos correios para
fazer ligações interurbanas conhece uma funcionária. O encanto é mútuo: depois
de um encontro num café os dois acabam envolvendo-se num relacionamento
amoroso. François diz “Eu conheci
Thèrese primeiro, e casei com ela, e a amo, e amo você e sou feliz. Se tivesse
conhecido você primeiro, teria casado com você”. François ama Thèrese,
acredita que é capaz de somar os dois amores, somando assim felicidade. Mas
será possível somar dois amores? Será que François realmente ainda ama Thèrese
da mesma forma?
É interessante
a forma com que Agnes Varda discute a questão da poligamia. Agnes disse "No meu filme, o
pecado não existe. Nem a baixaria." François não sente culpa, não
se deixa tomar pelo moralismo, também não omite a verdade de sua mulher: em
mais um dos passeios ao campo com a mulher e os filhos ele lhe conta a verdade,
diz que está encontrando outra pessoa há um mês, teme a reação da esposa mas
espera que ela entenda que ele jamais negligenciaria sua família por causa de
outra mulher, mas pelo contrário, seria um homem ainda mais feliz e traria mais
felicidade pro seu lar. A reação de Thèrese é ainda mais inesperada: ela diz
que se ele está feliz, ela também está. E qualquer coisa que o faz feliz,
também a faz. Parece bastante altruísta, mas será que uma mulher apaixonada por
seu marido seria capaz de conviver com o fato de que seu marido é feliz com
outra mulher? Não Thèrese, porque apesar da aparente tranquilidade diante da
notícia, deixa os três enquanto tiram um cochilo e comete suicídio no lago do
bosque onde estavam.
A beleza
estética provocada pela combinação de trilha sonora, fotografia, cores, cortes,
a brincadeira com o foco e o jogo de plano e contraplano na montagem do filme, que
torna a experiência tão amena contrasta com a força das questões levantas por
Varda: o alcance da felicidade, amor, moralismo, sentimento de culpa, ciúmes e
sofrimento. E após os curtos 79min de duração do filme é capaz de suscitar
questões dignas de bastante reflexão sobre nossa própria postura. Desde
"Qual seria minha reação se eu fosse Thèrese?" até "O que é
preciso para ser feliz?".
Extrema beleza que machuca. Olha, sinceramente... Poético, sútil e intenso.
ResponderExcluirInfelizmente a sátira parece passar por cima da cabeça de muitas pessoas que se deixam enganar pelos artifícios do filme e veem nele uma linda meditação simpática ao poliamor. Quando, na verdade, a atmosfera "perfeita demais", o constante senso de artificialidade e a subserviência das mulheres aos desejos e à felicidade de François, apontam para algo extremamente diverso, muito mais ácido.
“- Qual delas prefere: Brigitte Bardot ou Jeanne Moreau?
- Como mulher, você... (corta para despensa lotada de imagens de revista das duas)”
Esse personagem principal já tem lugar reservado no seu Top 5 de embustes do cinema. Começei a estranhar o rumo do filme enquanto assistia, até me tocar da chamada “crítica social f*da”: o carpinteiro bom-moço, cidadão de bem e pai de família que “inocentemente” se apaixona por outra e tenta conciliar a vida com as duas, até que acontece o que aconteceu e o filme tem seu final “feliz”... é capaz de muito homem (e muita mulher) assistir e se sentir representado e até mesmo redimido sem analisar nas entrelinhas.
“Postière Très Tentante. Pense Très. Tendrement. Passionément Terriblement a. Toi. Prés Te toi. Pour Toi Ton. François.”
"Não sei se era a intenção, mas o final deste filme me causou muita angústia" - Você não sabe como isso rola com tais pessoas. aqueles minutos finais, aparentemente fofinhos, são terríveis. Sendo está aí a intenção do filme, nos apresentar um mundo florido onde tudo é lindo e colorido, e no final nos apresentar a tristeza do abandono e da indiferença. Tu entendestes bem o filme, é exatamente isso.