sábado, 14 de fevereiro de 2015

Os Verdadeiros Questionamentos de “A Leste de Bucareste”, por Danillo Medeiros


Europa Oriental, anos 90, fim da URSS, e um sentimento anticomunista, especialmente anti-totalistarista muito forte. Nas artes, esse momento (fim da URSS) se refletiu de maneira diversa, dependendo dos países ou simplesmente dos autores. No caso da Romênia, essa variação ideológica é clara, pois o cinema nacional Romeno fez muita coisa diferente nos anos posteriores à queda do Regime de Nicolae Ceausescu, alguns apoiando a queda e outros (uma minoria) criticando o regime capitalista de maneira mais sutil. E “sutil” é a palavra que resume A Leste de Bucareste (A fost sau n-a fost?, Corneliu Porumboiu, 2006), filme romeno que se baseia em um debate sobre a participação ou não da pequena cidade que se passa o filme, na Revolução que tirou o ditador Ceausescu do poder.
Por que “sutil” é a palavra que resume A Leste de Bucareste? Porque o filme não tem uma linguagem panfletária, não trata com obviedade o discurso comunista ou anticomunista, não cria estereótipos dos personagens para criticar ou exaltar um tema. Na verdade, o filme é mais uma reflexão sobre o papel do individuo numa sociedade do que sobre se essa sociedade é comunista ou não. A discussão em pauta é: “Participamos ou não participamos da Revolução?” E em um programa de TV, um professor de história que alega participar da revolução conta como foi a experiência. O ponto interessante desse momento do filme é que ele traz a tona uma reflexão sobre o poder de mudança que o indivíduo tem, sobre como uma mudança no campo do micro social pode atingir o macro social, as instituições já estabelecidas, o totalitarismo de um estado, etc. Um pequeno grupo de pessoas iniciou um movimento que mudou a história da sua cidade e influenciou, de certa forma, na mudança na história de um país, pelo menos é o que diz o professor.
Na medida que o passa o tempo do debate do programa de TV, ligações de espectadores que testemunharam o fato histórico surgem e contam suas versões sobre o ocorrido. Independente de ser verdade ou não (provavelmente são), esse momento do filme é lotado de momentos cômicos, e levanta um bom questionamento sobre como o real pode ser espetacularizado/idealizado por um contador de histórias. Diversos depoimentos contam versões diferentes do caso, e sua maioria desmentem o depoimento dado pelo professor de história anteriormente. Certa reflexão é gerada sobre esse fato, pois dele surge uma pergunta: “De que jeito escrevemos nossa história?”. Criar heróis é a maneira mais fácil de fazer história, e é isso o que o filme denuncia. Um professor de história cria uma história sobre si mesmo, colocando ele e seu grupo de amigos como heróis, e é denunciado e contrariado, quebrando toda sua história sobre ser herói de uma importante revolução que destituiu o comunismo. Nisso o filme problematiza o fato de que toda história “embasada” é verdade (no caso, na embasada na experiência própria), expondo o caráter do micro, do indivíduo, que a história tem, ela pode ser alternada conscientemente ou até inconscientemente, para benefícios próprios.
Como uma comédia, o filme recorrentemente utiliza de ironias para ambientar suas críticas, e mesmo não se mostrando militante, o filme critica muito bem o sistema capitalista por meio destas ironias. O Professor de história que supostamente iniciou a revolução vive devendo a conhecidos e nunca tem dinheiro para nada, por exemplo. Mas não é só de maneira irônica que a crítica aparece, pois até na maneira de filmar isso fica claro: tomadas de câmera fixa, cenários simples, iluminação escura, etc; dão certo tom melancólico ao filme, uma infelicidade que permeia os personagens.

Ao final, o filme não dá uma resposta clara a sua pergunta maior: “Houve ou não houve revolução?”, mas abre uma margem de interpretação nas suas últimas sequencias. Mas no final das contas o mais importante do filme, como dito antes, não é a panfletagem, e sim os questionamentos e críticas que ele levanta. “Qual é o papel do indivíduo na construção da história?” e “Toda história contada é exatamente igual ao momento em que o fato ocorreu?” são questionamentos mais interessantes e pertinentes do que saber se o filme é pró-comunista ou não. 

Nenhum comentário:

Postar um comentário