Europa
Oriental, anos 90, fim da URSS, e um sentimento anticomunista, especialmente
anti-totalistarista muito forte. Nas artes, esse momento (fim da URSS) se
refletiu de maneira diversa, dependendo dos países ou simplesmente dos autores.
No caso da Romênia, essa variação ideológica é clara, pois o cinema nacional
Romeno fez muita coisa diferente nos anos posteriores à queda do Regime de
Nicolae Ceausescu, alguns apoiando a queda e outros (uma minoria) criticando o
regime capitalista de maneira mais sutil. E “sutil” é a palavra que resume A Leste de Bucareste (A fost sau n-a fost?, Corneliu
Porumboiu, 2006), filme romeno que se baseia em um debate sobre a participação
ou não da pequena cidade que se passa o filme, na Revolução que tirou o ditador
Ceausescu do poder.
Por
que “sutil” é a palavra que resume A
Leste de Bucareste? Porque o filme não tem uma linguagem panfletária, não
trata com obviedade o discurso comunista ou anticomunista, não cria
estereótipos dos personagens para criticar ou exaltar um tema. Na verdade, o
filme é mais uma reflexão sobre o papel do individuo numa sociedade do que
sobre se essa sociedade é comunista ou não. A discussão em pauta é:
“Participamos ou não participamos da Revolução?” E em um programa de TV, um
professor de história que alega participar da revolução conta como foi a
experiência. O ponto interessante desse momento do filme é que ele traz a tona
uma reflexão sobre o poder de mudança que o indivíduo tem, sobre como uma
mudança no campo do micro social pode atingir o macro social, as instituições
já estabelecidas, o totalitarismo de um estado, etc. Um pequeno grupo de
pessoas iniciou um movimento que mudou a história da sua cidade e influenciou,
de certa forma, na mudança na história de um país, pelo menos é o que diz o
professor.
Na
medida que o passa o tempo do debate do programa de TV, ligações de
espectadores que testemunharam o fato histórico surgem e contam suas versões
sobre o ocorrido. Independente de ser verdade ou não (provavelmente são), esse
momento do filme é lotado de momentos cômicos, e levanta um bom questionamento
sobre como o real pode ser espetacularizado/idealizado por um contador de
histórias. Diversos depoimentos contam versões diferentes do caso, e sua
maioria desmentem o depoimento dado pelo professor de história anteriormente. Certa
reflexão é gerada sobre esse fato, pois dele surge uma pergunta: “De que jeito
escrevemos nossa história?”. Criar heróis é a maneira mais fácil de fazer
história, e é isso o que o filme denuncia. Um professor de história cria uma
história sobre si mesmo, colocando ele e seu grupo de amigos como heróis, e é
denunciado e contrariado, quebrando toda sua história sobre ser herói de uma
importante revolução que destituiu o comunismo. Nisso o filme problematiza o
fato de que toda história “embasada” é verdade (no caso, na embasada na
experiência própria), expondo o caráter do micro, do indivíduo, que a história
tem, ela pode ser alternada conscientemente ou até inconscientemente, para
benefícios próprios.
Como
uma comédia, o filme recorrentemente utiliza de ironias para ambientar suas
críticas, e mesmo não se mostrando militante, o filme critica muito bem o
sistema capitalista por meio destas ironias. O Professor de história que
supostamente iniciou a revolução vive devendo a conhecidos e nunca tem dinheiro
para nada, por exemplo. Mas não é só de maneira irônica que a crítica aparece,
pois até na maneira de filmar isso fica claro: tomadas de câmera fixa, cenários
simples, iluminação escura, etc; dão certo tom melancólico ao filme, uma
infelicidade que permeia os personagens.
Ao
final, o filme não dá uma resposta clara a sua pergunta maior: “Houve ou não
houve revolução?”, mas abre uma margem de interpretação nas suas últimas
sequencias. Mas no final das contas o mais importante do filme, como dito
antes, não é a panfletagem, e sim os questionamentos e críticas que ele
levanta. “Qual é o papel do indivíduo na construção da história?” e “Toda
história contada é exatamente igual ao momento em que o fato ocorreu?” são
questionamentos mais interessantes e pertinentes do que saber se o filme é
pró-comunista ou não.
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