sábado, 14 de fevereiro de 2015

Mestre das Canções. Sayat- Nova (A cor da romã, 1968, Sergei Paradjanov), por Lorena Arouche




Sayat- Nova não é um filme corriqueiro.

Sayat- Nova não é um filme narrativo ou biográfico. Muito embora represente cronologicamente (em aproximadamente 9 fases que vão desde a sua infância, passando pela sua vida na corte e no monastério, até sua morte na velhice) vários ritos da vida do poeta trovador armênico do século XVIII, vulgo Sayat-Nova, ainda que essa não seja a pretensão primeira do diretor soviético.

Sergei Paradjanov, quase dois séculos depois de Sayat-Nova, teve vida atribulada. Persona non grata em seu meio, foi perseguido, preso, censurado e proibido de filmar por desafiar manuais e regras do senso comum, dentro e fora das telas. Diretor de cinema e artista, nascido na Geórgia soviética, sua obra fílmica foi de grande contribuição para a Ucrânia, Geórgia e Armênia.

Sayat- Nova não é um filme político. Apesar de toda a controvérsia e perseguição política ao Paradjanov, o filme é um experimento artístico, diria, bem sucedido imageticamente. Imerge no mais essencial campo da poesia, o metafísico, o transcendental. Sayat- Nova funde poesia e poiesis. Tal apelo criativo e poético converge e associa-se às demais artes visuais e perfomáticas, teatro e pintura, quiçá dança.

Alegorias, metáforas, simbolismos… Sayat- Nova é um sonho lúcido que permite o sonho dentro do sonho. Cada plano é uma tela de confuências artísticas, de influência barroca, com remanescência na arte bizantina, suas cores de alto contraste, equilíbrio na composição, riqueza de detalhes e do decorativo, raros são os momentos pontuais nos quais o plano é minimalista.

O filme se utiliza de planos fixos, nesse ponto mantém-se refém do teatro e da pintura, da frontalidade, posicionando o protagonista no centro do ecrã. Os personagens nos encaram interpelativos, não ignoram a câmera, que, fixa, nega movimentar-se.
Os cortes não prezam pela invisibilidade. Por vezes são abruptos na tentativa de fazer o espectador descolar e adentrar com limitações ao ilusionismo, à apreciação e, ou, ao apelo ocasionado pela força centrípeta da imagem.

Entre as imagens iniciais do filme vemos um livro aberto, enquanto versos do poeta são recitados em off, e temos a primeira alegoria produzida: 3 romãs vermelhas, inteiras, sangram, imóveis.
A Cor da Romã não é o título original e talvez tenha sido sugerido ao tradutor neste exato momento inicial, reforçado pela imagem posterior, próxima ao epílogo, de outras 3 romãs apunhaladas que sangram despedaçadas e simbolizam a morte do poeta.

Sayat- Nova é uma janela, um portal. Qualquer tentativa de interpretação da obra há de ser cautelosa para não recair em mero reducionismo, devido ao seu potencial abstracionista e sua grandiosidade.

Sayat- Nova não é um filme corriqueiro.

É uma obra de arte em 24 quadros por segundos.

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