sexta-feira, 13 de fevereiro de 2015

"Videogramas de uma revolução", por Júlio Pereira


Mais importante do que saber das extravagâncias do ditador romeno Nicolae Ceausescu, precisamos encarar as imagens em Videogramas de uma Revolução, filme-ensaio de Andrei Ujica e Harun Farocki, e delas extrair o fulgor do acontecimento, o presente capturado, a própria História. Com imagens de arquivo, tanto televisivas quanto de filmagens “amadoras”, os diretores buscam recriar a História – a revolução responsável pela queda do ditador romeno - a partir do maior número de pontos de vista possíveis.

Obtemos um panorama complexo do começo da revolução até o seu momento simbólico final – ou seja, a execução de Nicolae Ceausescu e de sua esposa Elena Petrescu. Através de uma narração em off, Farocki e Ujica partem para uma análise do próprio material filmíco, dissecando as imagens para delas elaborar uma visão o mais nuançada possível da revolução, beirando o didático em certos momentos. Para a dupla de cineastas, não parece possível, na era da imagem digital, uma dissociação entre História e imagem, inexistindo uma sem a outra. Georges Didi-Huberman defende uma leitura dialética da imagem, não esperando dela nem a História em sua totalidade, tampouco somente um fragmento do real. Videogramas de uma Revolução, por outro lado, torna a relação entre História e imagem – especificamente a imagem cinematográfica – intrínseca e inescapável, dialogando diretamente com o período em que ocorreu a destituição de Ceausescu. Ou seja, no final dos anos 80, com o advento das câmeras portáteis, possibilitando uma produção audiovisual muito mais democrática. E é justamente essa pluralidade de representações que serve enquanto pilar para a obra.

Por outro lado, os cineastas parecem abrir mão de uma estética mais cerebral e metódica, ausentando momentaneamente a narração do filme, quando há ciência da anarquia e autonomia daqueles momentos. Perde-se o controle da situação - embora, evidentemente, ainda haja o controle da montagem e, pois, uma mise-en-scène. Nesse sentido, Videogramas de uma Revolução se revela especialmente forte quando aposta exatamente na epistemologia das imagens, no que sua forma tem a revelar – as condições de filmagem, as escolhas estéticas dos cinegrafistas, o perigo de chegar mais perto da ação.

Dos momentos sem a intromissão direta do narrador, destaco dois especialmente marcantes e fundamentais. Primeiramente, uma das primeiras sequências da revolução, em que as luzes estão todas apagadas e tudo o que podemos perceber é um incêndio, enquanto o cinegrafista comenta o momento. As vozes da revolução invadem a tela para preencher o escuro, trazer à tona o sentimento de revolta do qual a imagem não consegue dar conta em absoluto. E conferindo um sentido maior à opção de montar o filme a partir de uma linha narrativa bastante linear, o angustiante desfecho, reprodução integral (ao que parece) da última transmissão televisiva de Ceausescu e sua esposa ainda vivos. Dilatando o tempo, Farocki e Ujica deixam rolar ininterruptamente as imagens, encontrando naqueles corpos e rostos frágeis uma possível contradição. Não há necessidade de análise das imagens, seu sentido se basta na própria matéria fílmica.


Há imagem. Há História.

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