Mais importante do que saber das
extravagâncias do ditador romeno Nicolae Ceausescu, precisamos encarar as
imagens em Videogramas de uma Revolução, filme-ensaio de Andrei Ujica e
Harun Farocki, e delas extrair o fulgor do acontecimento, o presente capturado,
a própria História. Com imagens de arquivo, tanto televisivas quanto de
filmagens “amadoras”, os diretores buscam recriar a História – a revolução
responsável pela queda do ditador romeno - a partir do maior número de pontos
de vista possíveis.
Obtemos um panorama complexo do
começo da revolução até o seu momento simbólico final – ou seja, a execução de
Nicolae Ceausescu e de sua esposa Elena Petrescu. Através de uma narração em off,
Farocki e Ujica partem para uma análise do próprio material filmíco, dissecando
as imagens para delas elaborar uma visão o mais nuançada possível da revolução,
beirando o didático em certos momentos. Para a dupla de cineastas, não parece
possível, na era da imagem digital, uma dissociação entre História e imagem,
inexistindo uma sem a outra. Georges Didi-Huberman defende uma leitura
dialética da imagem, não esperando dela nem a História em sua totalidade,
tampouco somente um fragmento do real. Videogramas
de uma Revolução, por outro lado, torna a relação entre História e imagem –
especificamente a imagem cinematográfica – intrínseca e inescapável, dialogando
diretamente com o período em que ocorreu a destituição de Ceausescu. Ou seja, no final dos anos 80, com o
advento das câmeras portáteis,
possibilitando uma produção audiovisual muito mais democrática. E é justamente
essa pluralidade de representações que serve enquanto pilar para a obra.
Por outro lado, os cineastas
parecem abrir mão de uma estética mais cerebral e metódica, ausentando
momentaneamente a narração do filme, quando há ciência da anarquia e autonomia
daqueles momentos. Perde-se o controle da situação - embora, evidentemente,
ainda haja o controle da montagem e, pois, uma mise-en-scène. Nesse
sentido, Videogramas de uma Revolução se revela especialmente forte quando
aposta exatamente na epistemologia das imagens, no que sua forma tem a revelar
– as condições de filmagem, as escolhas estéticas dos cinegrafistas, o perigo
de chegar mais perto da ação.
Dos momentos sem a intromissão
direta do narrador, destaco dois especialmente marcantes e fundamentais.
Primeiramente, uma das primeiras sequências da revolução, em que as luzes estão
todas apagadas e tudo o que podemos perceber é um incêndio, enquanto o
cinegrafista comenta o momento. As vozes da revolução invadem a tela para
preencher o escuro, trazer à tona o sentimento de revolta do qual a imagem não
consegue dar conta em absoluto. E conferindo um sentido maior à opção de montar
o filme a partir de uma linha narrativa bastante linear, o angustiante
desfecho, reprodução integral (ao que parece) da última transmissão televisiva
de Ceausescu e sua esposa ainda vivos. Dilatando o tempo, Farocki e Ujica
deixam rolar ininterruptamente as imagens, encontrando naqueles corpos e rostos
frágeis uma possível contradição. Não há necessidade de análise das imagens,
seu sentido se basta na própria matéria fílmica.
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