“Esses
brancos, esses brancos sujos. Eles nos desprezam. Arriscamos nossas vidas por
eles! Eles são um bando de ambiciosos! Pretensiosos, arrogantes, ignorantes. Eles
não merecem essa terra maravilhosa. Nem sabem apreciá-la!”
Se essa frase, tirada de um diálogo do começo do filme “Minha
terra, África” (White Material)
(da cineasta francesa Claire Denis), tivesse sido lida por mim fora do contexto
do filme, eu teria a certeza absoluta que ela haveria sido pronunciada por um
personagem negro, cansado da intromissão que os tais “brancos sujos” vinham
exercendo na sua terra. Eu estaria errado. Essa frase, dita por brancos
europeus para se referir a outros brancos europeus (numa cena intrigante onde o
diálogo é realizado simultaneamente pelas duas partes da conversa), define
muito bem o principal ponto do filme de Denis: uma sensação de
não-pertencimento, de ser rejeitado e ao mesmo tempo rejeitar essa rejeição.
Não que essa rejeição se defina apenas por diferenças
raciais entre negro/branco, aliás; ambientado num país africano indefinido,
esse atrito vem principalmente de uma relação entre África/Europa que está
refletida no filme de uma forma bastante pessoal através da protagonista Maria
Vial, uma francesa dona de uma fazenda de café na África, que vê a sua vida
ameaçada por uma guerra civil prestes a explodir no local uma semana antes do
momento de colheita. Mesmo vendo que todos os seus trabalhadores, africanos de
nascença, estão fugindo de sua plantação por medo da luta entre o exército e os
rebeldes, ela se recusa a sair com sua família da terra na qual ela está
vivendo e que aprendeu a amar com o passar dos anos.
Esse drama sofrido pela personagem não é o único problema
do filme, porém. Os próprios africanos rebeldes aparecem como o outro lado da
moeda, representando o povo que não aguenta mais ser explorado enquanto, nas
palavras de um dos rebeldes do filme, o Material Branco (termo pejorativo utilizado
para se referir aos brancos ou aos seus pertences na áfrica) vive como que em
uma colônia de férias, à sombra e no conforto, enquanto os verdadeiros moradores
daquela terra dão o sangue e suor para o seu sustento. Maria, ao se recusar a
sair daquele local que logo se tornará um campo de batalha violento onde ela
será a figura mais odiada, está justamente provando o ponto daqueles rebeldes:
suas ações e palavras nos passam a todo o momento uma sensação de posse, como
que ela ache um absurdo precisar se retirar de um local que, em sua cabeça,
claramente a pertence.
Esse conflito interno é sustentado de forma sensível pela
direção de Denis: com a câmera na mão, tremida, e uma trilha sonora natural
(basicamente composta pelos sons naturais e por poucas músicas suaves e bem
colocadas), ela vai aumentando gradualmente o sentimento de desespero de Maria
até um ponto do filme onde ela finalmente percebe que aquela terra a está tentando
expulsar de todas as formas possíveis, enquanto tenta desesperadamente reencontrar
o filho perdido. Inclusive, a figura desse filho, o jovem mimado Manuel, é
utilizado pela diretora como o principal símbolo da não aceitação da rejeição
que é o que representa a sua mãe: ao ser humilhado pelos jovens rebeldes
africanos nas terras da sua família, Manuel enlouquece, passando a simular em
seu subconsciente ser um daqueles garotos que o rejeitaram.
White
Material é, aparentemente, um filme que retrata de forma bastante
pessoal a visão da própria cineasta sobre as questões raciais e sociais que
envolvem a presença de brancos europeus numa África pós-colonial (lugar onde
ela viveu durante a infância, o que ajudou a moldar tanto sua visão política
como artística). Essa visão pessoal se confirma na evolução dos personagens
que, embora aparentemente mal explicadas, na verdade parecem ser exprimidas de
forma metafórica, como se Denis quisesse que todos nós interpretássemos as
diferenças discrepantes nas ações dos personagens à medida que o filme se
desenrola.
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