sábado, 14 de fevereiro de 2015

As Depravadas Margaridas, por André Maia



Tudo está indo mal neste mundo. Neste mundo do leste europeu, neste mundo da Praga de Vera Chytilová. Anos sessenta do século passado.

A Tchecoslováquia de então sob o domínio totalitário da antiga URSS. A ausência de liberdade individual, a supressão da democracia. As margaridas estão indo mal também. E reagem, e zombam, e escarnam.

Em ‘As Pequenas Margaridas’ Vera Chytilová, uma representante da Nova Viná, ou Nouvelle Vague tcheca, apresenta o cotidiano de duas jovens que, ao entenderem que o mundo está indo péssimo, decidem agir com o intuito de corroborar com esse mundo péssimo. São desordeiras, depravadas, desrespeitosas, libertinas. São avessas à moral e aos bons costumes e à repressão feminina presente na estrutura social dos países sob a égide do comunismo.

 Aparentemente bobo e engraçado, ‘As Pequenas Margaridas’ é, acima de tudo, um filme político. Chytilová clarifica esse caráter político através das atitudes das jovens que percebem o mundo em que vivem sem sentido e sem direção. ‘As Pequenas Margaridas’ quer mostrar que num país de repressão política e ausência de liberdade inexiste a expectativa de um futuro melhor e, como consequência, uma possível reação é a opção pela depravação.

O trabalho técnico de Vera Chytilová merece uma pontuação singular pela variação de cores e pela deformação de imagens, acentuando contrastes e nos remetendo ao Surrealismo.

Numa Tchecoslováquia de castrações e impedimentos, as pequenas margaridas de Chytilová se deleitam ao estragar alimentos e a debochar dos homens e da sociedade tcheca. Entre um rio que parece estar vestindo sua correnteza de sangue e a sequência de imagens de cadeados fechados, ‘As Pequenas Margaridas’ alegoriza e metaforiza a dor e o cerceamento numa sociedade reprimida por um Estado totalitário. 

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