domingo, 7 de novembro de 2010

"A aventura", por Lady Patrícia Oliveira



A obra do diretor italiano Michelangelo Antonioni costuma dividir opiniões, mesmo entre seus fãs e admiradores: há os que aceitam que seus melhores filmes são aqueles que foram feitos nos Estados Unidos, como Profissão: Repórter (1975) ou o inglês Blow Up (1966). Outros elegem a sua fase italiana como a melhor, com a sua trilogia da incomunicabilidade. Porém, não há dúvidas da linearidade de sua obra, em que Antonioni usou e abusou da prerrogativa de autor de cinema para tratar sempre, em diferentes graus e perspectivas, dos mesmos temas: o tédio, o individualismo, e a falta de comunicabilidade entre as pessoas.

O primeiro filme da sua já citada trilogia foi A Aventura (1960). Nele temos Anna, uma jovem rica e bonita que participa de um luxuoso passeio de iate com seu namorado Sandro e alguns amigos. Após uma parada numa ilha, Anna desaparece misteriosamente, provocando uma mobilização de Sandro, da melhor amiga Claudia, e dos outros para encontrá-la. O tempo vai passando, e Anna jamais é encontrada. Durante sua procura, seu namorado e sua melhor amiga iniciam um caso amoroso. Aos poucos, a jovem é esquecida, enquanto seus amigos voltam para suas vidas monótonas e sem motivação.

Nos dois filmes seguintes, A Noite (1961) e O Eclipse (1962), que completam a trilogia, Antonioni repete a fórmula ao trazer personagens sempre entediados, principalmente casais, que não conseguem se entender, e que estão eternamente em busca de algo do qual nem mesmos estão certos do que seja. Logo, em A Aventura, o mote (o sumiço de Anna) é apenas pano de fundo para o diretor expor a impossibilidade de entendimento, que parece ocorrer com todos, primeiro com Anna e Sandro, depois entre este e Claudia: está claro que estes últimos não estão apaixonados; ficam juntos apenas por ficar, levados por um impulso, e talvez por certa curiosidade, tal qual seus amigos, que viram no desaparecimento da jovem um acontecimento interessante, fora de rotina, mas que passada a “novidade”, retornam inexoráveis ao seu cotidiano burguês enfadonho. E assim, Antonioni promove o “desaparecimento do desaparecimento”.

Esse foco nas elites era uma das marcas de Antonioni, que pretendia criticar esse estilo de vida fútil, destacando seu vazio existencial. O ex-estudante de arquitetura era dono de um estilo inconfundível, de enorme rigor estético, e tinha uma câmera estudada e elegante. Gostava de incorporar paisagens e logradouros em seus filmes, sobretudo como metáfora dos sentimentos dos seus personagens (aqui, a imensidão do mar e ilhas rochosas e inóspitas, inacessíveis). Ele também dá continuidade a outra de suas características já utilizada no filme anterior, O Grito (1957): a constante deambulação, o vagar sem motivo aparente, como ilustração da eterna busca de algo desconhecido e inalcançável.

O reconhecimento para Antonioni chegou tardiamente. Não obstante serem repletos de beleza visual, seus enredos difíceis e sua narrativa lenta contribuíram por muito tempo para a rejeição do público, que chegou a vaiar A Aventura no Festival de Cannes. Mal sabiam eles que o diretor – que tanto abordou a falta de comunicação entre os seres, e ironicamente morreu impossibilitado de falar – estava apenas iniciando a aventura de ratificar o status do cinema como arte.

Nenhum comentário:

Postar um comentário