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domingo, 7 de novembro de 2010

Zabriskie Point, por Ana Lúcia Diniz


O nome é uma homenagem à região árida localizada no oeste dos Estados Unidos, no Vale da Morte. Também árido é o tema principal abordado pelo filme: o movimento da contracultura, que teve seu auge na década de 60. E só tem uma palavra que pode definir a maneira como filme foi recebido pela crítica e pelo público da época: aridez.

Zabriskie Point (1970), do cineasta italiano Michelangelo Antonioni, é marcado pelo encontro de dois jovens. Ela, Daria, viaja de carro até Phoenix para encontrar seu chefe, um empresário que planeja construir um condomínio de luxo na Califórnia. Ele, Mark, jovem que está insatisfeito com o falatório das reuniões estudantis e decide que - muito mais do que discussão e reflexão - precisa de ação. Por isso, quando os protestos na universidade tornam-se violentos com a chegada da polícia, ele decide comprar um revolver e tomar atitudes práticas. No conflito entre estudantes do Campus e policiais, alguns alunos são atingidos por gás lacrimogêneo e um estudante é baleado. Neste momento, Mark saca a arma e aparece a cena de um policial sendo morto. O autor do tiro não é claramente definido, mas a atitude de Mark é fugir. Para isso, ele rouba um pequeno avião. No meio do deserto, os dois se encontram e a atração é imediata.

Mark e Daria são claramente representantes dos que presenciaram este momento de transformação social, política e cultural, seja ativamente ou não. Encontram-se entre os extremos dos intelectuais de esquerda e da burguesia capitalista, pois essa dicotomia não fazia mais sentido. E a solução para eles, no momento, parece ser o escapismo. Talvez para poder observar essas transformações de fora, talvez para simplesmente se esquecer delas. Essa “viagem” pelo deserto, onde eles estão de passagem, remete, inclusive, a um certo isolamento dos jovens da geração beat - que teve seu auge nos anos 50 e que foi de fundamental influência para o movimento da contracultura nos anos 60 - retratados em romances como “On the road” de Jack Kerouac.

É no deserto que ocorrem cenas marcantes do filme. Vale a pena destacar a cena de amor na areia, que, além da sua beleza estética claramente perceptível, evidenciam-se temas defendidos pela ideologia hippie, como a liberdade sexual e o amor livre e primitivo. Todo o ato dos jovens é embalado pela trilha sonora que garante o tom preciso para a cena. A trilha sonora do filme inteiro, aliás, é um show à parte, apresenta canções de vários artistas como Pink Floyd, Jerry Garcia, The Kaleidoscope... Com algumas música escritas especialmente para o filme.

O filme, no entanto, não foi visto com bons olhos nem pela crítica especializada nem pelo público. Ele é o segundo de um contrato fechado por Antonioni para realizar três filmes em inglês. Os outros dois foram Blow Up (1966) e Profissão: Repórter (1975). O filme sofreu problemas com os produtores, até porque é bastante complicado tratar de temas polêmicos como o combate ao capitalismo, justamente dentro dos Estados Unidos. Por isso, foi duramente ressaltada a arrogância de um estrangeiro de vir criticar tão enfaticamente o país. Outra crítica feita foi em relação à atuação de Mark Frechette e Daria Halprin, que, inclusive, emprestaram seus nomes aos personagens. A escolha de atores amadores, no entanto, tem o mérito de filmar rostos novos e pessoas menos presas a “técnicas” de atuação pré-definidas.

Em relação ao público, Zabriskie Point foi um fracasso de bilheteria, arrecadando apenas um décimo da soma que Blow Up arrecadou. Esse fracasso de público talvez se deva à demora de quase dois anos para lançar o filme, pois, nos anos 70, já há um certo desencantamento em relação ao movimento da contracultura e , ao mesmo tempo, já surgem novos anseios de mudanças. Então a identificação com o filme não ocorre por completo.

Hoje, fora do contexto de seu lançamento, Zabriskie Point já é olhado de maneira diferente. Apesar de muitos admiradores dos filmes de Antonioni ainda acharem que este é o seu pior trabalho, o filme é considerado por muitos como um retrato genial de uma época. Quase vinte anos depois, pode-se dizer, citando o editor da Rolling Stone, David Fricke, que “ Zabriskie Point foi um dos desastres mais extraordinários da história do cinema moderno”.

“O Eclipse”, de Michelangelo Antonioni, por Renato Souto Maior


Ensurdecedora pode ser a atmosfera aparentemente silenciosa de um espaço ambientado apenas por um som de ventilador, ao fundo, uníssono, em tom constante. Em meio a um barulho pontual e sobressaltado – o ruído do aparelho a girar realmente tem seu volume aumentado e potencializado diante dos outros sons da cena – do eletrodoméstico, temos, em preto e branco, profundamente marcados, Monica Vitti e seu gestual típico de incomunicabilidade já visitado e averiguado em outras produções do diretor Michelangelo Antonioni. O tédio cai sob os personagens como uma manifestação pesada e difícil de ser ignorada ou subjugada. Apesar da tentativa inicial de ambos – obviamente um casal – em circular e lidar um com o outro de forma natural, dentro do espaço de um apartamento, logo se instala a agonia, e o fingimento não se torna mais sustentável, resultando na partida da mulher. Vitti troca algumas palavras, saí do espaço até então sufocante, e ganha às ruas de um bairro italiano tipicamente burguês, em condições estranhas, de deserto absoluto; mal se vê alguma movimentação no espaço urbano. Toda a primeira passagem de “Eclipse” retrata o fim de uma relação; não necessariamente o fim, mas o começo de um desfecho irreversível, prestes a desabar. O silêncio do casal prestes a se separar dialoga com outra passagem do filme, onde a ação se passa em ambiente totalmente contrário ao desértico bairro em que Vitti mora: uma bolsa de valores. Aqui, Antonioni delata o tempo, em momento arrastado, longo, deixando o espectador inquieto, agoniado, e frustrado. É um corte brusco entre uma paisagem aberta, ampla, vazia e silenciosa para um espaço claustrofóbico, barulhento, sufocador, repleto de doses elevadas de “algazarra” e gritaria, típicas de um ambiente como este, onde a presença de mulheres torna o quadro um tanto destoante de seu “aspecto natural”. A mãe da personagem de Vitti procura o local por motivos financeiros, apenas, enquanto a filha se vê “atormentada” por meros conflitos amorosos. É neste lugar que Vitti encontra o personagem de Alan Delon (Piero), jovem efusivo, em contraposição ao amargurado semblante de Vittoria (Vitti). O encontro se dá, então, em momento adverso de ambos; para ela, a crise de um relacionamento recém acabado, para ele a possibilidade de conquistá-la.

A posição dos atores em cena é realmente fabulosa; Antonioni movimenta a câmera com sutileza, mas ao mesmo tempo força. É uma marca visível, a sua, de saber filmar, lindamente, seus atores em cena. A beleza estonteante e o entrosamento crível de Vitti e Delon ajudam, obviamente, na elevação das cenas almejadas, mas não se mostram como aspectos exclusivamente responsáveis pelo sucesso do que se alcança; sem os enquadramentos inspirados, a direção milimétrica e a fotografia marcante de Antonioni os dois poderiam passar por mais belo casal, e só. Muitas vezes o rosto intocável de Vitti é negado ao espectador, e a vemos, diversas vezes, apenas de costas, a caminhar; assim como Delon. São várias as situações onde a câmera acompanha o andar dos dois, sem cortes, por trás. Há uma passagem curiosa logo no começo do filme, quando Vitti simula uma dança africana, vestida e pintada a “caráter”, em um momento não muito claro, sem muita “coerência” dentro da narrativa; mais adiante Vittoria se depara com trabalhadores “negros” em uma localidade que mais parece um ponto distante do centro, em local mais bucólico. Ela é levemente intimidada pela presença dos dois trabalhadores, e talvez seja uma ligação possível entre a cena da dança africana forçada, – que é muito engraçada e mostra uma Vitti totalmente fora do padrão “blasé” e contido no qual nos acostumamos. A burguesia é retratada, novamente, como classe egoísta, desinteressada e evasiva, em um cotidiano atípico, de suspiros e lamentações a cerca de problemas de origem puramente sentimental, nada mais. A presença do jovem Piero (Delon) parece tirar Vittoria do marasmo em que sua vida se encontrava, mas temporariamente. O vazio das ruas ao decorrer da projeção dá espaço a um ambiente mais movimentado e habitado. Mas o tom desértico do espaço é sufocante, e gera imagens belíssimas de avenidas largas e ruas amplas desprovidas completamente de pessoas. Uma construção, ao final do longa, bastante investigada pela câmera de Antonioni, aparece meio que fora do contexto, mas pode ser associada em um paralelo entre a estrutura em início de obras e o próprio relacionamento dos dois, também novo, fresco e em via de ser construído. A recém separação de Vittoria, e a possibilidade, tão repentina, de novo envolvimento, podem estar associadas ao título do filme. Como em um eclipse Vittoria se encontra, justamente, entre estas duas realidades, em momento de intersecção, de trânsito. Se a interpretação seguir embasada na ideia deste fenômeno astronômico, ela também suscita e trás a tona a noção de passagem; a nova relação, assim, provavelmente não perdurará. É o olhar de Antonioni sob um rápido e breve acontecimento na vida dos dois. Um olhar igualmente espetacular, misterioso e belo, como o de um genuíno eclipse.

"A aventura", por Lady Patrícia Oliveira



A obra do diretor italiano Michelangelo Antonioni costuma dividir opiniões, mesmo entre seus fãs e admiradores: há os que aceitam que seus melhores filmes são aqueles que foram feitos nos Estados Unidos, como Profissão: Repórter (1975) ou o inglês Blow Up (1966). Outros elegem a sua fase italiana como a melhor, com a sua trilogia da incomunicabilidade. Porém, não há dúvidas da linearidade de sua obra, em que Antonioni usou e abusou da prerrogativa de autor de cinema para tratar sempre, em diferentes graus e perspectivas, dos mesmos temas: o tédio, o individualismo, e a falta de comunicabilidade entre as pessoas.

O primeiro filme da sua já citada trilogia foi A Aventura (1960). Nele temos Anna, uma jovem rica e bonita que participa de um luxuoso passeio de iate com seu namorado Sandro e alguns amigos. Após uma parada numa ilha, Anna desaparece misteriosamente, provocando uma mobilização de Sandro, da melhor amiga Claudia, e dos outros para encontrá-la. O tempo vai passando, e Anna jamais é encontrada. Durante sua procura, seu namorado e sua melhor amiga iniciam um caso amoroso. Aos poucos, a jovem é esquecida, enquanto seus amigos voltam para suas vidas monótonas e sem motivação.

Nos dois filmes seguintes, A Noite (1961) e O Eclipse (1962), que completam a trilogia, Antonioni repete a fórmula ao trazer personagens sempre entediados, principalmente casais, que não conseguem se entender, e que estão eternamente em busca de algo do qual nem mesmos estão certos do que seja. Logo, em A Aventura, o mote (o sumiço de Anna) é apenas pano de fundo para o diretor expor a impossibilidade de entendimento, que parece ocorrer com todos, primeiro com Anna e Sandro, depois entre este e Claudia: está claro que estes últimos não estão apaixonados; ficam juntos apenas por ficar, levados por um impulso, e talvez por certa curiosidade, tal qual seus amigos, que viram no desaparecimento da jovem um acontecimento interessante, fora de rotina, mas que passada a “novidade”, retornam inexoráveis ao seu cotidiano burguês enfadonho. E assim, Antonioni promove o “desaparecimento do desaparecimento”.

Esse foco nas elites era uma das marcas de Antonioni, que pretendia criticar esse estilo de vida fútil, destacando seu vazio existencial. O ex-estudante de arquitetura era dono de um estilo inconfundível, de enorme rigor estético, e tinha uma câmera estudada e elegante. Gostava de incorporar paisagens e logradouros em seus filmes, sobretudo como metáfora dos sentimentos dos seus personagens (aqui, a imensidão do mar e ilhas rochosas e inóspitas, inacessíveis). Ele também dá continuidade a outra de suas características já utilizada no filme anterior, O Grito (1957): a constante deambulação, o vagar sem motivo aparente, como ilustração da eterna busca de algo desconhecido e inalcançável.

O reconhecimento para Antonioni chegou tardiamente. Não obstante serem repletos de beleza visual, seus enredos difíceis e sua narrativa lenta contribuíram por muito tempo para a rejeição do público, que chegou a vaiar A Aventura no Festival de Cannes. Mal sabiam eles que o diretor – que tanto abordou a falta de comunicação entre os seres, e ironicamente morreu impossibilitado de falar – estava apenas iniciando a aventura de ratificar o status do cinema como arte.

quarta-feira, 23 de junho de 2010

"Blow Up", por Ricardo Duarte



“Um filme que pode ser explicado com palavras não é um filme verdadeiro.”

Michelangelo Antonioni


Há uma espécie de esboço de uma história de suspense nesse filme de Antonioni, mas, como em outros filmes de sua autoria em que isso acontece (Profissão: Repórter, A Aventura, entre outros), os expectadores desavisados são enganados e levados a crer que o filme se resumirá à resolução do mistério mostrado. Entretanto, em Blow Up, a situação é ainda mais especial: não sabemos se houve realmente uma morte. Tudo o que nós e o fotógrafo Thomas temos como prova são ampliações de fotografias tiradas num parque, em que o que vemos e que parece uma pessoa com uma arma, pode não ser nada.

Em seus projetos anteriores, Antonioni, focava-se na “relação entre as pessoas, sublinhando os conflitos que, na sociedade contemporânea, costumam opor o amor à ambição, o sucesso profissional à integridade artística. Em Blow Up houve mudança de rumo. Desde o início da narrativa, a imagem do jovem protagonista, que perambula por Londres, acionando compulsivamente o obturador da câmara fotográfica, adverte que não iremos assistir mais à disputa entre os homens, mas a um duelo com o mundo.”¹ Outro dos temas que usam constantemente para definir Antonioni, a incomunicabilidade, também não é um dos temas mais presentes numa leitura mais superficial do filme, embora esteja lá, especialmente no diálogo entre Thomas e Patrícia.

Então, quais temas característicos do diretor estariam no filme, além do falso clima de mistério? Primeiramente, podemos dizer do retrato da vida moderna e de como o homem reage a ela, mas, ao contrário dos personagens anteriores de Antonioni, Thomas não está em combate com esse mundo, já se adaptou a ele, sua única pendência é resolver um problema que diz respeito apenas à sua relação com a realidade. Há também um retrato crítico da burguesia, que, em eterno caminhar sem rumo, parece não ter nenhum objetivo nesse mundo. O tédio emana do fotógrafo e qualquer coisa nova parece-lhe dar uma nova energia, mas apenas algo efêmero, como o encontro com os mímicos no início do filme, a hélice que ele compra e, obviamente, o “assassinato”. Outras cenas deixam clara essa crítica, não apenas direcionada aos ricos, é verdade, mas também à alienação dos jovens ditos como “rebeldes”, e a cena, bastante onírica, ocorrida no show dos Yardbirds serve como exemplo disso: todos os jovens permanecem parados, quase como zumbis, enquanto a banda canta ou quebra seus instrumentos, apenas reagindo (de forma violenta) quando o vocalista atira sua guitarra para o público.

Mas, falar que o filme resume-se a essa crítica seria, no mínimo, ingênuo. Está presente no longa, algo muito mais interessante e profundo do que a já batida crítica ao mundo burguês: a indagação sobre a dependência quase total que a modernidade tem da visão e, mais particularmente, sobre a noção de que algo que esteja representado numa foto (ou num filme) seja verdade.

“A fotografia se beneficia de uma transferência de realidade da coisa para sua reprodução. Passamos de um efeito de realismo a um efeito de realidade.”². Tal “realidade”, segundo Walter Benjamin, seria usada para fim do próprio capitalismo, ao “transformar autenticidade de um fato em bem de consumo” ³. Há no filme uma inversão disso: a “realidade” só existe nas fotografias. São elas, e apenas elas, que mostram algo que pode (ou não) ter acontecido. O fotógrafo inicialmente acredita piamente no que elas lhe mostram, mas, ao longo da projeção, vê suas certezas se desintegrarem, até a cena final, em que há uma total desconstrução de seus pensamentos. O uso de um fotografo como protagonista em um filme questionador sobre a confiança excessiva no que vemos, o exagero do “ver para crer” e, de uma certa forma, um voyeurismo crescente, é algo extremamente importante. Ele tem sua câmera como uma espécie de continuação de seu corpo, e não mede esforços ou pensa na privacidade alheia para tirar boas fotos (como flagrar um casal se beijando, ou operários). Os mímicos, que aparecem no início e no final do filme, são a representação diametralmente oposta à nossa confiança excessiva no que vemos e servem como contraponto ao protagonista: são artistas que usam o inexistente como seu objeto artístico. No final do longa, com a belíssima cena do jogo de tênis, a própria câmera do diretor acompanha a bola, supostamente inexistente, e a torna tão real quanto todos aqueles personagens. Entretanto, Thomas permanece impassivo diante daquilo, não “acompanha o jogo”. Quando o fotógrafo pega a bola “não-existente”, o que seria uma espécie de teste (como podemos ver por todos os mímicos observando-o atentamente), para livrá-lo de todo ceticismo que vimos exibindo-o. Quando ele “joga” a bola de volta para os mímicos, aceita a falsidade do pensamento realidade = aquilo que vemos, e começa a acompanhar o jogo, e nós (espectadores) passamos a ouvir a bola. Então, o fotografo desaparece diante dos nossos olhos, demonstrando-nos ser apenas mais uma ilusão, embora nós pudéssemos vê-lo. Nesse final, percebemos as intenções anti-ilusionistas do filme: ele “esfrega”, embora de forma sutil, na cara do expectador que tudo que víamos era apenas ilusão, e tira-nos de uma catarse que o filme possa ter provocado. Há nisso algo que lembra o esforço constante de Godard de nos lembrar que o que vemos é apenas um filme, esforço esse que provêm, por sua vez de pensamentos de desmistificações muito antigos: desde o livro Don Quixote, o teatro Brechtiano, o cinema de Dziga Vertov etc. Embora, de forma bastante diferente do humor sarcástico e da violência dos exemplos citados acima, Blow Up triunfa nos seus desejos desmistificadores e é um ótimo exemplo para constar na lista de filmes dessa espécie.

Até agora, houve apenas uma análise dos intuitos, dos significados e da narrativa do filme, entretanto não é apenas por esses aspectos que esse magnífico trabalho é considerado por muitos uma obra-prima do seu diretor. Seria clichê dizer que as cores do filme são espetaculares, pois todos já estão cansados de saber do cuidado de Antonioni em relação a isso: a grama do parque teve que ser pintada de outro tom de verde para as cenas gravadas lá, pois o original não agradava ao diretor. Outros pontos que deixaram o filme famoso (esse foi o filme com maior audiência do diretor) foram seus figurinos, já que Thomas fotografa modelos, e sua trilha sonora, especialmente o show da banda Yardbirds.

Há também cenas memoráveis, além da do jogo de tênis entre os mímicos (já citado anteriormente), como o ensaio com Veruschka, que foi eleita pela Premiere como a cena mais sexy da história do cinema. A cena, que ficou sendo a mais representativa do filme, não mostra apenas uma sessão fotográfica, mas também algo sexual: “a câmera dispara fotos a todo momento como meio de união entre os dois, seus corpos movimentam-se juntos. No final da sessão, numa representação máxima de excitação, o fotógrafo ajoelhado sobre ela grita eufórico (...). O clímax é visual e inquestionável. A modelo continua deitada no chão extasiada com o que acabaram de fazer, passando a mão sobre o seu seio e exausta, está aí a representação visual do orgasmo. A cena nos mostra uma metáfora de relação sexual mediada por uma câmera fotográfica. É o exemplo máximo da influência da imagem em um ser humano, a possibilidade de juntar a capacidade de penetração do meio fotográfico em realidade física e visual. É uma forma de mostrar a vulnerabilidade humana quanto essa inversão de valores entre realidade e imagem, mostrar a necessidade de obter uma coisa representada cada vez mais próxima, se possível poder tocá-la, senti-la, é a necessidade de disfarçar uma vontade de poder criar uma realidade que possa ser controlada individualmente, montada por cada um de nós em que não haja necessidade de comunicação entre pessoas.”4 . Outra cena digna de aplausos é a que o fotógrafo arruma as fotos do “assassinato” em sua casa. Podemos ver toda a narração cinematográfica daquele crime acontecendo diante de nossos olhos, com cortes inclusos. Belíssimo.

Filme de um diretor italiano, Blow Up inscreve-se no movimento britânico da Swinging London, momento em que vários outros cineastas estrangeiros, como Godard, Truffaut e Polanski, filmaram em Londres, centro de uma incrível efervescência cultural. Talvez tenha sido esse enfoque das modernidades londrinas que causou o trunfo de bilheteria de Blow Up. É perceptível a demonstração dessa exaltada “modernidade” no filme (embora com críticas, como falado anteriormente): com seus figurinos exagerado, sua Londres agitada, suas festas com drogas, as cores berrantes do filme, a presença dos jovens, a primeira nudez frontal em um filme inglês, entre outras coisas. Talvez possamos dizer que isso tenha deixado o filme um pouco datado, mas, numa época dominada por reality shows e pela idéia cada vez mais presente de uma imersão total dos expectadores no filme, principalmente focando o elemento da visão (as novidades do 3D e muitas profecias do futuro do cinema), as indagações e críticas que ele deixa nas cabeças dos que o assistem, tornam-se cada vez mais importante.









¹ SOUZA, Gilda de Mello. (2005).

² DUBOIS, Philippe. (1999).

³ SOUZA, Augusto Cesar Cavalcanti de.

4 Ibidem.


Bibliografia:

DUBOIS, Philippe. “A linha geral. Cadernos de Antropologia e Imagem.” Rio de Janeiro: UERJ, n. 9, 1999.

MATOS, Yanet Aguilera Viruez Franklin de. “A crônica visual de Michelangelo Antonioni”. Tese de pós-graduação, Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas. São Paulo, 2007.

SOUZA, Augusto Cesar Cavalcanti de. “A fotografia como informação”. In: UFSCAR. Disponível em: http://www.ufscar.br/~cinemais/framefoto.html. Visitado em: 09 de junho de 2010.

SOUZA, Gilda de Mello. “A idéia e o figurado”. 1 ed. São Paulo: Duas Cidades, 2005.

"Blow Up", por Ingrid Maiani


“Blow up”, primeiro filme em língua inglesa de Michelangelo Antonioni, é um verdadeiro trocadilho. Filmado na Londres de 1966, o longa amplia nossa visão de cinema, à medida que Thomas – o fotógrafo personagem – amplia seus negativos. E o trocadilho não se restringe à brincadeira com o título da película. Mas para que se entenda, é preciso contar um pouco da história ambientada na “swinging london, expressão de Diana Vreeland, editora-chefe da mais famosa revista de moda do mundo, a Vogue.

Para começar, é necessário que se diga que é exatamente com moda que o personagem de David Hemmings trabalha. Thomas é o mais requisitado fotógrafo de modelos e publicações da capital inglesa. O que não faz com que sua vida seja interessante. Ele julga todas aquelas mulheres tão bonitas quanto inexpressivas um tédio. “Sorria”, ordena para um grupo de cinco garotas que estão sendo fotografadas. Diante da apatia que permanece, constata: “Vocês não sabem sorrir”.

Não, a criatura de Antonioni não é contente com sua vida de glamour. Ele próprio sorri muito pouco. E é por isso que quando resolve lançar um livro, a temática nada tem a ver com a beleza gritante da esfera “fashion”. Isso não é real. E o que é real para Thomas? A insatisfação, a tristeza, retratadas em violência, em mendigos. Mas ora, que penoso seria um livro sem final feliz! Afinal, não é isso que o leitor anseia ao acompanhar uma história? Não é isso que esperam aqueles olhos na sala escura do cinema?

Thomas encontra não premeditadamente um desfecho tão real como bonito para seu enredo. Passeando por um típico parque londrino, o fotógrafo flagra um casal aos beijos e decide fazer dessas imagens não autorizadas o “grand finale” de sua obra. Mas, como diz o teaser do filme (inteligentemente composto por foto-imagens – http://www.youtube.com/watch?v=an4tDcb7LvQ), “algumas vezes, a realidade é a mais estranha de todas as fantasias”.

Talvez pelo fascínio que a cena lhe causou, talvez pela insistência de Jane (Vanessa Redgrave) – a moça fotografada involuntariamente – em receber o filme utilizado de volta, Thomas confere atenção especial às imagens capturadas no parque. E é justamente a expressividade dela que a trai. Jane se mostra preocupada, aflita, olhando em uma direção. Após uma série de ampliações do local para o qual ela olhava, Thomas consegue perceber um homem segurando uma arma. Teria o fotógrafo sido ironicamente testemunha de um assassinato enquanto tentava livrar-se do rumo obscuro de seu livro?

Não importa a resposta, não é esse o objetivo do filme. “Blow up” é uma alegoria. Através da metalinguagem, ele versa sobre o cinema. Da mesma maneira que o espectador procura uma resposta por meio da sucessão de imagens que se projeta na tela, Thomas tenta achar uma solução pras fotografias do parque espalhadas pelas paredes de sua casa. Antonioni parece estar a todo momento perguntando: “cinema tem que fazer sentido?” Bom, a sequencia de imagens observadas pelo fotógrafo possuem uma lógica. Contudo, a lógica foram as fotografias que projetaram ou foi Thomas quem inventou? A mensagem transmitida pela película pertence ao cineasta ou àquele que a assiste? Engendra-se uma discussão acerca da perspectiva.

Talvez seja esse o principal questionamento de Antonioni. Não é, contudo, o único. As modelos em suas poses estáticas, os diálogos escassos, a apatia dos espectadores do show dos Yardibirds, a passividade dos frequentadores da festa em que Thomas vai resgatar seu agente. Tudo vai de encontro à Londres efervecente da década de 60. Nessa época, a Inglaterra vivia uma explosão cultural e lançou ao mundo importantes nomes da música, artes plásticas, teatro, moda e cinema. Entres eles, a própria Verucshka, modelo fotografada por Thomas em “Blow up”.

O ensaio de Verucshka para Thomas é uma das cenas mais bonitas do filme. Ângulos avassaladores, enquadramentos perfeitos, movimentação precisa. O espectador, pelos olhos de Antonioni, é o fotógrafo de Thomas fotografando sua modelo. Sendo tecnicolor, “Blow up” possui imagens exuberantes, as cores são vivas, talvez a única coisa palpitante na obra. Nem mesmo o lema “sexo, drogas e rock'n'roll” foge ao tédio que é a vida humana. A apatia não se restringe aos ouvintes da apresentação dos Yardibirds. Moças e rapazes que se drogam, não ficam eufóricos. Eles olham para o nada e possuem a mesma expressão vazia das modelos fotografadas anteriormente ou da vizinha de Thomas, Patrícia (Sarah Miles), ao fazer sexo com seu namorado.

O porquê do talvez na afirmação sobre as cores deve-se a basicamente um detalhe: os mímicos que abrem e encerram o filme de Antonioni. Eles são, certamente, borbulhantes. Na última cena, Thomas presencia uma partida fictícia de tênis encenada por eles e não só parece ver, como escuta a bola. Pois não é isso que nos acontece ao ver um filme? Sabendo tratar-se de uma representação, transportamo-nos para sua história e cremos naquilo que estamos vendo. Último plano, o fotógrafo vai buscar a bolinha imaginária que caiu longe, no gramado, e desaparece. Para onde foi Thomas? Sobem os letreiros, voltamos.

sábado, 29 de maio de 2010

"Blow Up" por Renato Souto Maior


A visão artística condicionada a um olhar específico através de uma lente serve como elucidação para o verdadeiro sentimento de poder que tal artifício - o da câmera - pode proporcionar. Em Blow Up Thomas, fotógrafo aparentemente renomado, permanece quase todo o tempo em seu pedestal de artista arrogante munido de sua arma fotográfica impiedosa. Do alto de sua consciência burguesa estabelecida, consolidada e até então imune a qualquer tentativa de quebra desta condição, ele seguirá coerente a sua posição “privilegiada” de burguês poderoso. Em seu estúdio de moda Thomas trava batalha com suas pseudo-modelos suficientemente estúpidas e incapazes de agradar por completo o artista; ele impõe de forma grosseira e seca seus comandos, e ordens. Em uma das sessões fotografa a exaustão uma de suas modelos, em uma interação quase sexual, onde ele se ajoelha sobre ela, grita, ordena posições, em tom de cansaço, para logo em seguida sair imediatamente em retirada de descanso em seu sofá. O controle, obviamente, não ousa sair de suas mãos; o tem a todo instante. Até o dia em que, vagando por um parque, em busca de alguma coisa que fuja daquele mundo plástico de seu estúdio, depara-se com mulher acompanhada a dançar e correr pela grama. Aquilo desperta um interesse fulminante no fotógrafo, que com sua câmera em punho registra uma série de reações e momentos da desconhecida; esta, que ao percebê-lo, corre em sua direção e em tom de desespero clama pelo negativo. A partir daí um jogo de sedução e tortura emocional se sucederão no estúdio de Thomas, em um dos poucos momentos do filme onde o diálogo se faz complemento significativo da ação.

A trama subseqüente ao encontro com a mulher do parque se resume em uma virada de perspectiva do protagonista; sua até então inconteste arrogância encontra-se passível de mudança, e as fotos da mulher, uma obsessão sem volta. O estado de conforto antes garantido acaba por estabelecer novas perspectivas. Não é uma mudança brutal e completa, mas o vislumbre de algo além, que não estava ali. E tudo isso vem à tona por meio de uma foto em particular, do parque, onde Thomas vê, na verdade, um homem deitado no chão, o que depois se revelará em alguém assassinado. Não existe mais ligação com a mulher, ela foi embora carregando aquilo que pensa ser o negativo tão desejado, e não apareceu mais. Ele a procura, mas sem sucesso. Então lhe resta, apenas, o amontoado de fotos daquele dia, e uma tentativa de solução, também frustrada. Mas a mudança se dá pelo incontrolável; justamente pelo “inesperado”. Acostumado ao controle total de sua obra, por ser a câmera, e “enquadrar” sua visão das coisas nas imagens, aqui, pela primeira vez, a consciência sobre sua imperfeição grita. Ao fazer recortes e ampliações das imagens Thomas redescobre uma dimensão até ali desconhecida por ele; é como se até em uma imagem supostamente comum houvesse algo a se descobrir, escondido, em sua composição; é tudo uma questão de olhar. A grandiosidade do artista e de seu intencional controle sob o ambiente ao seu redor tomam proporção menor ao se aproximar da imagem capturada.


Ao realizar a nova perspectiva, Thomas vai em busca de respostas, decepcionando-se com o que vê e encontra pela frente. Em uma festa “burguesa” onde pessoas se drogam e deixam-se levar completamente – em uma óbvia crítica a tal da burguesia alienada e drogada – ele não se identifica mais como integrante daquele grupo, existe um desconforto claro ali. Logo depois, quase ao final do filme, ele reencontra um grupo de supostos “baderneiros” de rostos pintados, palhaços, que simulam um jogo de tênis em uma quadra; praticam o esporte sem bola ou raquete, “interpretam” a partida. Thomas observa de perto o grupo e em um determinado momento lhe pedem para recuperar a bola recém caída aos seus pés; mas não há bola, primeiramente pensa Thomas. Não importa, pois, como ele mesmo descobrira há pouco, nada é o que parece, totalmente. Assim, ele abaixa-se, segura a “imaginária” bola em uma das mãos, e a arremessa, entregando-a novamente ao grupo. Naquele momento Thomas situa-se totalmente na nova realidade de sua vida.

Antonioni orquestra com excelência todos os elementos de Blow Up; desde a trilha curta, mas marcante, até a fotografia viva. Seu filme se desenrola na típica e moderna Swinging London; os penteados, a banda de rock, a moda, a rua: tudo remete ao momento. A construção de Thomas denuncia a vertente crítica do diretor em relação à burguesia londrina; o personagem é arrogante ao extremo. Sua pretensão artística é denunciada como algo falso; na passagem onde ele saí de uma fábrica no meio da massa operária, meio que misturado, apenas para conseguir fotos pseudo-políticas possivelmente integradas a um livro futuro a ser lançado; é colocada, então, essa questão da fotografia de arte como refúgio do assumidamente fotógrafo de moda, de publicidade, em uma relação com uma certa culpa burguesa em ser o que é, onde o escapismo artístico e verdadeiro serve como alívio para o que se é. O trato de Thomas com as mulheres, em especial na sequência onde ele exerce mais um de seus jogos perversos com duas pretensas modelos, nem um pouco vitimizadas por Antonioni, em uma clara relação de troca por sexo, e só. É como se ele não fosse tão culpado assim, e pudesse justificar seus atos pelo medíocre argumento de que “não criou o mundo”; ele apenas reproduz seu poder “socialmente” permitido sob supostas vítimas que não hesitam em participar do sistema e desenrolar seus papéis de subservientes. A crítica a burguesia existe, mas sem vitimar em demasiado o outro lado, supostamente controlado por completo. A perversidade da relação se faz legítima por uma consciência, mesmo que limitada, dos dois grupos. Thomas percebe algo novo, mas não necessariamente mudará. Possivelmente não o fará, tornando-se mais amargurado, apenas.

"Blow up: amplie, visualize e transcenda" por Lucas Simões


“Swinging London” foi o momento de exaltação dos costumes ingleses para o mundo durante a década de 60. Foi a cultura materialista regada por aparência. Foi o uso ufânico da bandeira Inglesa como representação de poder. Foram os Beatles em sua fase alienada cantando “Porque dinheiro não pode comprar o meu amor” em “Can´t buy me love”. Foi a moda artificial e supérflua alimentando o consumismo desenfreado. Foi a juventude míope e marginal às problemáticas sociais. Foi uma ideologia maquiada e excluída de propósitos consistentemente revolucionários.

Foi também o cinema de Antonioni cuspindo em toda essa nojeira formalista.

“Blow up” narra a história do respeitado fotógrafo Thomas que após revelar as fotos de um casal em um parque, suspeita da ocorrência de um assassinato. A construção do enredo com base na suposição pretende ir além dos fatos contatos para tratar subjetivamente das possíveis interpretações humanas.

A fuga de Thomas do set fotográfico em sua própria casa para um parque bucólico demonstra uma transformação nas intenções do fotógrafo em substituir a artificialidade das modelos por imagens naturalistas de um casal em romance.

Essa captura de imagens formará um semblante possivelmente imaginário em Thomas. Por que uma mulher misteriosa se demonstraria preocupada em ser fotografada com um homem no parque? Por que um rapaz desconhecido vigiava Thomas durante uma conversa com seu amigo no restaurante? A importância daquelas fotos vai se tornando cada vez mais evidente.

O fotógrafo parte para a revelação das imagens que posteriormente são ampliadas e pregadas na parede lado a lado. É possível fazer uma analogia da composição dessa cena como uma montagem construtiva. Cada imagem é um pedaço que concentra separadamente a atenção de Thomas.

O título “Blow up” deriva deste tratamento com as fotos através da ampliação. Porém, mais do que ampliar, Antonioni propõe que o espectador visualize e transcenda o óbvio. Uma mesma fotografia pode fornecer interpretações divergentes como uma paisagem pictórica, um expressionismo fotográfico ou até mesmo um crime bárbaro. Já diria Munsterberg que o filme deve existir além da película na consciência de cada pessoa.

Thomas, ao observar as fotos, enxerga uma arma em meio aos arbustos e um corpo estendido na grama, porém essas imagens talvez não fiquem evidentes para o espectador. Indícios dessa incerteza são revelados quando o fotógrafo durante um retorno ao parque consegue ver o corpo na grama, porém em outra investida, o corpo desaparece. Em um momento posterior, a mulher misteriosa é vista por Thomas observando uma vitrine, mas em seguida desaparece subitamente entre as pessoas. O crime de fato aconteceu? Aquele casal no parque realmente existe? Antonioni substitui as respostas às indagações por possibilidades. A realidade exibida pode ser onírica.

Fica claro em “Blow up” que as evidências se transformam em aparência. O suspense em torno do acontecimento no parque passa para plano de fundo. A narrativa se consolida em momentos pragmaticamente críticos e em outros subjetivamente psicológicos.

Na cena final, os mímicos se divertem jogando uma partida de tênis imaginário. Materialmente, não há bolas, raquetes ou regras. Thomas observa atentamente até que uma bola invisível paira em seus pés e ele interage não apenas devolvendo com um lançamento, mas indo além e escutando o próprio som imaginário das rebatidas entre as raquetes. A ficção pode assim ser perfeita em um mundo imperfeito.

De maneira superficial “Blow up” é uma simples exposição do “Swinging London”. Entretanto, a crítica ao período inglês é incorporada de maneira subjetiva nas entrelinhas. Paralelamente à narrativa, existe um tratamento sarcástico com que Antonioni explicita a sociedade banal inglesa. As mulheres são vistas como meros manequins inexpressivos e são hostilizadas constantemente pelo fotógrafo. Durante o show da banda Yardbirds, a contemplação por um público robótico demonstra possivelmente uma juventude passiva, preocupada na ousadia de pegar um pedaço da guitarra quebrada para depois descartá-lo. Em outra cena, os manifestantes contra guerra são vistos como minoria e tratados com indiferença pela população.

Para Antonioni a contestação da realidade é necessária, mesmo que camuflada através de propósitos imaginários.

“Blow up (Depois daquele beijo)” por Ingrid Maiany



“Blow up”, primeiro filme em língua inglesa de Michelangelo Antonioni, é um verdadeiro trocadilho. Filmado na Londres de 1966, o longa amplia nossa visão de cinema, à medida que Thomas – o fotógrafo personagem – amplia seus negativos. E o trocadilho não se restringe à brincadeira com o título da película. Mas para que se entenda, é preciso contar um pouco da história ambientada na “swinging london, expressão de Diana Vreeland, editora-chefe da mais famosa revista de moda do mundo, a Vogue.

Para começar, é necessário que se diga que é exatamente com moda que o personagem de David Hemmings trabalha. Thomas é o mais requisitado fotógrafo de modelos e publicações da capital inglesa. O que não faz com que sua vida seja interessante. Ele julga todas aquelas mulheres tão bonitas quanto inexpressivas um tédio. “Sorria”, ordena para um grupo de cinco garotas que estão sendo fotografadas. Diante da apatia que permanece, constata: “Vocês não sabem sorrir”.

Não, a criatura de Antonioni não é contente com sua vida de glamour. Ele próprio sorri muito pouco. E é por isso que quando resolve lançar um livro, a temática nada tem a ver com a beleza gritante da esfera “fashion”. Isso não é real. E o que é real para Thomas? A insatisfação, a tristeza, retratadas em violência, em mendigos. Mas ora, que penoso seria um livro sem final feliz! Afinal, não é isso que o leitor anseia ao acompanhar uma história? Não é isso que esperam aqueles olhos na sala escura do cinema?

Thomas encontra não premeditadamente um desfecho tão real como bonito para seu enredo. Passeando por um típico parque londrino, o fotógrafo flagra um casal aos beijos e decide fazer dessas imagens não autorizadas o “grand finale” de sua obra. Mas, como diz o teaser do filme (inteligentemente composto por foto-imagens – http://www.youtube.com/watch?v=an4tDcb7LvQ), “algumas vezes, a realidade é a mais estranha de todas as fantasias”.

Talvez pelo fascínio que a cena lhe causou, talvez pela insistência de Jane (Vanessa Redgrave) – a moça fotografada involuntariamente – em receber o filme utilizado de volta, Thomas confere atenção especial às imagens capturadas no parque. E é justamente a expressividade dela que a trai. Jane se mostra preocupada, aflita, olhando em uma direção. Após uma série de ampliações do local para o qual ela olhava, Thomas consegue perceber um homem segurando uma arma. Teria o fotógrafo sido ironicamente testemunha de um assassinato enquanto tentava livrar-se do rumo obscuro de seu livro?

Não importa a resposta, não é esse o objetivo do filme. “Blow up” é uma alegoria. Através da metalinguagem, ele versa sobre o cinema. Da mesma maneira que o espectador procura uma resposta por meio da sucessão de imagens que se projeta na tela, Thomas tenta achar uma solução pras fotografias do parque espalhadas pelas paredes de sua casa. Antonioni parece estar a todo momento perguntando: “cinema tem que fazer sentido?” Bom, a sequencia de imagens observadas pelo fotógrafo possuem uma lógica. Contudo, a lógica foram as fotografias que projetaram ou foi Thomas quem inventou? A mensagem transmitida pela película pertence ao cineasta ou àquele que a assiste? Engendra-se uma discussão acerca da perspectiva.

Talvez seja esse o principal questionamento de Antonioni. Não é, contudo, o único. As modelos em suas poses estáticas, os diálogos escassos, a apatia dos espectadores do show dos Yardibirds, a passividade dos frequentadores da festa em que Thomas vai resgatar seu agente. Tudo vai de encontro à Londres efervecente da década de 60. Nessa época, a Inglaterra vivia uma explosão cultural e lançou ao mundo importantes nomes da música, artes plásticas, teatro, moda e cinema. Entres eles, a própria Verucshka, modelo fotografada por Thomas em “Blow up”.

O ensaio de Verucshka para Thomas é uma das cenas mais bonitas do filme. Ângulos avassaladores, enquadramentos perfeitos, movimentação precisa. O espectador, pelos olhos de Antonioni, é o fotógrafo de Thomas fotografando sua modelo. Sendo tecnicolor, “Blow up” possui imagens exuberantes, as cores são vivas, talvez a única coisa palpitante na obra. Nem mesmo o lema “sexo, drogas e rock'n'roll” foge ao tédio que é a vida humana. A apatia não se restringe aos ouvintes da apresentação dos Yardibirds. Moças e rapazes que se drogam, não ficam eufóricos. Eles olham para o nada e possuem a mesma expressão vazia das modelos fotografadas anteriormente ou da vizinha de Thomas, Patrícia (Sarah Miles), ao fazer sexo com seu namorado.

O porquê do talvez na afirmação sobre as cores deve-se a basicamente um detalhe: os mímicos que abrem e encerram o filme de Antonioni. Eles são, certamente, borbulhantes. Na última cena, Thomas presencia uma partida fictícia de tênis encenada por eles e não só parece ver, como escuta a bola. Pois não é isso que nos acontece ao ver um filme? Sabendo tratar-se de uma representação, transportamo-nos para sua história e cremos naquilo que estamos vendo. Último plano, o fotógrafo vai buscar a bolinha imaginária que caiu longe, no gramado, e desaparece. Para onde foi Thomas? Sobem os letreiros, voltamos.