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domingo, 7 de novembro de 2010

Zabriskie Point, por Ana Lúcia Diniz


O nome é uma homenagem à região árida localizada no oeste dos Estados Unidos, no Vale da Morte. Também árido é o tema principal abordado pelo filme: o movimento da contracultura, que teve seu auge na década de 60. E só tem uma palavra que pode definir a maneira como filme foi recebido pela crítica e pelo público da época: aridez.

Zabriskie Point (1970), do cineasta italiano Michelangelo Antonioni, é marcado pelo encontro de dois jovens. Ela, Daria, viaja de carro até Phoenix para encontrar seu chefe, um empresário que planeja construir um condomínio de luxo na Califórnia. Ele, Mark, jovem que está insatisfeito com o falatório das reuniões estudantis e decide que - muito mais do que discussão e reflexão - precisa de ação. Por isso, quando os protestos na universidade tornam-se violentos com a chegada da polícia, ele decide comprar um revolver e tomar atitudes práticas. No conflito entre estudantes do Campus e policiais, alguns alunos são atingidos por gás lacrimogêneo e um estudante é baleado. Neste momento, Mark saca a arma e aparece a cena de um policial sendo morto. O autor do tiro não é claramente definido, mas a atitude de Mark é fugir. Para isso, ele rouba um pequeno avião. No meio do deserto, os dois se encontram e a atração é imediata.

Mark e Daria são claramente representantes dos que presenciaram este momento de transformação social, política e cultural, seja ativamente ou não. Encontram-se entre os extremos dos intelectuais de esquerda e da burguesia capitalista, pois essa dicotomia não fazia mais sentido. E a solução para eles, no momento, parece ser o escapismo. Talvez para poder observar essas transformações de fora, talvez para simplesmente se esquecer delas. Essa “viagem” pelo deserto, onde eles estão de passagem, remete, inclusive, a um certo isolamento dos jovens da geração beat - que teve seu auge nos anos 50 e que foi de fundamental influência para o movimento da contracultura nos anos 60 - retratados em romances como “On the road” de Jack Kerouac.

É no deserto que ocorrem cenas marcantes do filme. Vale a pena destacar a cena de amor na areia, que, além da sua beleza estética claramente perceptível, evidenciam-se temas defendidos pela ideologia hippie, como a liberdade sexual e o amor livre e primitivo. Todo o ato dos jovens é embalado pela trilha sonora que garante o tom preciso para a cena. A trilha sonora do filme inteiro, aliás, é um show à parte, apresenta canções de vários artistas como Pink Floyd, Jerry Garcia, The Kaleidoscope... Com algumas música escritas especialmente para o filme.

O filme, no entanto, não foi visto com bons olhos nem pela crítica especializada nem pelo público. Ele é o segundo de um contrato fechado por Antonioni para realizar três filmes em inglês. Os outros dois foram Blow Up (1966) e Profissão: Repórter (1975). O filme sofreu problemas com os produtores, até porque é bastante complicado tratar de temas polêmicos como o combate ao capitalismo, justamente dentro dos Estados Unidos. Por isso, foi duramente ressaltada a arrogância de um estrangeiro de vir criticar tão enfaticamente o país. Outra crítica feita foi em relação à atuação de Mark Frechette e Daria Halprin, que, inclusive, emprestaram seus nomes aos personagens. A escolha de atores amadores, no entanto, tem o mérito de filmar rostos novos e pessoas menos presas a “técnicas” de atuação pré-definidas.

Em relação ao público, Zabriskie Point foi um fracasso de bilheteria, arrecadando apenas um décimo da soma que Blow Up arrecadou. Esse fracasso de público talvez se deva à demora de quase dois anos para lançar o filme, pois, nos anos 70, já há um certo desencantamento em relação ao movimento da contracultura e , ao mesmo tempo, já surgem novos anseios de mudanças. Então a identificação com o filme não ocorre por completo.

Hoje, fora do contexto de seu lançamento, Zabriskie Point já é olhado de maneira diferente. Apesar de muitos admiradores dos filmes de Antonioni ainda acharem que este é o seu pior trabalho, o filme é considerado por muitos como um retrato genial de uma época. Quase vinte anos depois, pode-se dizer, citando o editor da Rolling Stone, David Fricke, que “ Zabriskie Point foi um dos desastres mais extraordinários da história do cinema moderno”.

sexta-feira, 17 de setembro de 2010

"Bande à part”, por Ana Lúcia Diniz



“ Para os atrasados que agora chegam, oferecemos umas poucas palavras escolhidas aleatoriamente: três semanas antes. Um monte de grana. Uma aula de inglês. Uma casa na beira do rio. Uma garota romântica” Essa frase, dita pelo narrador no início do filme, pode servir como um resumo da história que é contada em “Bande à part” (1964), de Jean-Luc Godard.

Parece simples, não é? De fato, o filme segue uma narrativa linear e não oferece grandes dificuldades de compreensão, principalmente se comparado a outras obras mais herméticas e pretensiosas do diretor. No entanto, se a frase dita pelo narrador pode servir para resumir a trama, não sintetiza , paradoxalmente, o filme. Não se trata aqui de uma escassez de palavras, é possível, seguindo a mesma ideia contida na frase , citar inúmeras outras: Dois rapazes. Três amigos. Odile, Frantz e Arthur. Um roubo. Um triângulo. A França... E ,por mais que essas palavras ajudem a completar o resumo da trama, não chegam nem perto de definir a experiência de assistir a este filme. É necessário vê-lo, é indispensável senti-lo.

Se, por um lado, a história é uma espécie de homenagem aos clássicos de gângster que Godard tanto gostava, por outro, como típica produção de um período de ruptura e redefinição que é a Nouvelle Vague, o filme também tem um caráter experimental e inovador em diversos aspectos. Em “Acossado” (1959) - outro filme de Godard aproximadamente da mesma época - o experimentalismo é enfatizado fundamentalmente no plano da imagem; tem-se, portanto, uma montagem inovadora, a exemplo da cena da perseguição de carro em que se utiliza pela primeira vez uma técnica chamada de “jump cut”: quando cortes consecutivos na imagem conseguem acelerar o ritmo da trama e paralelamente quebram a sensação de continuidade. Já em “Bande à part” o caráter experimental é perceptível principalmente no plano sonoro, talvez por isso se tenha a sensação de que as inovações nesse filme são mais sutis do que em “Acossado”.

Uma cena icônica - exemplo dessa ruptura - é quando os três personagens principais resolvem fazer um minuto de silêncio que é intensificado pela retirada total do som, inclusive dos ruídos do ambiente. Godard destrói , assim, o realismo e faz o silêncio transcender o plano ficcional. Outra cena em que a inovação se dá de maneira oposta mas também genial é quando Franz (Sami Frey) finge atirar em Arthur (Claude Brasseur), usando o dedo como revolver. Em vez da retirada, como na cena citada anteriormente , ocorre a inserção do som de um disparo, algo no mínimo ousado e que também questiona o conceito de realidade presente na trama.

É possível notar que, apesar de uma narrativa a princípio despretensiosa, “Bande à part” possui cenas que ficaram marcadas na história do cinema. Algumas delas serviram, inclusive, de inspiração a outros artistas. Bernardo Bertolucci em “Os Sonhadores” (2003) homenageia Godard quando os três protagonistas do seu filme ,Théo, Isabelle e Mathew, também correm pelo Louvre com o intuito de quebrar o record justamente conquistado pelo trio de Bande à part. Quentin Tarantino, além de colocá-lo como nome de sua produtora, é bastante influenciado por ele em “Pulp Fiction”(1994), pois a cena em que Uma Thurman dança com John Travolta é uma referência direta à do trio de Godard.

Essa cena em que os três personagens dançam no bar é influência não apenas para diretores de cinema, mas transcende ao ambiente da música e, inclusive, ao mundo televisivo. A banda Nouvelle Vague utilizou essa sequência como clipe da música “dance with me” e recentemente a série de televisão brasileira “ Aline” (2009) refilmou a cena ao som de “You Know I'm No Good” ( Amy Winehouse) com Pedro Neschling, Bernardo Marinho e Maria Flor incorporando o trio.

As cenas em “Bande à part” de fato encantam. A sensibilidade e delicadeza com que os personagens são filmados faz com que o espectador tenha prazer em observá-los nos mínimos detalhes. Anna Karina, esposa de Godard à época, que interpreta Odile, é filmada como se a câmera estivesse apaixonada por ela, seus olhos, no filme, aparecem realçados de tal maneira que é possível decifrar os sentimentos da personagem através deles.

Há quem diga que muitos filmes de Godard são verdadeiras aulas de cinema; em “Bande à part”, no entanto, em vez de aluno, o espectador se sente uma espécie de “cúmplice”. Cúmplice, claro, dos personagens no planejamento do roubo, mas – principalmente - cúmplice do diretor no ato de fazer cinema, descobrindo em sutilezas a metalinguagem que é recorrente nas obras de Godard e que torna esse filme encantador.