sexta-feira, 13 de fevereiro de 2015

"Trabalhos ocasionais de uma escrava", por Daniella Tavares

O paradigma estabelecido pelo positivismo, de que a ciência promoveria a ordem e o progresso, não fazia mais sentido num mundo pós-guerra. No entanto, Alexander Kluge utiliza esse paradigma para reforçar a crítica à sociedade machista no seu filme Trabalhos ocasionais de uma escrava, 1973.
O filme é sobre a família Bronski, mais particularmente sobre Roswitha Bronski, que além de cuidar dos seus três filhos, tem que trabalhar numa clínica clandestina de abortos para sustentar sua família, enquanto seu marido estuda para se tornar um gênio da química e, mesmo não se responsabilizando por nenhum compromisso com o lar, considera sua esposa com intelecto inferior e demonstra por ela certo desprezo.  Já nos primeiros minutos há o humor seco, a dicotomia rascante, quando é anunciado que Roswitha faz aborto em outras mulheres para que a própria possa ter seus filhos.
Assim, Kluge brinca com a ideia do cientificismo vigente no final do século XIX e início do século XX, pois a ciência deixa de ser algo para o bem comum para ser algo que traga benefícios individuais. Como também faz uma crítica a abordagem da mulher como força produtiva e reprodutiva, na qual o aborto é visto como uma possibilidade de independência da subserviência do desejo masculino de reprodução.
Também Roswitha é tratada como um personagem deslocado, que não encontra seu lugar, o que faz lembrar um filme anterior de Kluger, Despedida do ontem, 1966. Anita G além de ter a mesma atriz como interprete, compartilha com Roswitha o sentimento de deslocamento. Poderia dizer que Roswitha é uma continuação de Anita, Anita é deslocada em tudo, enquanto Roswitha conseguiu estabelecer uma família, mas ainda procura um lugar na sociedade. Essa busca é evidente quando Roswitha deixa de fazer abortos e começa a participar de movimentos sociais. 

            Dessa forma, se tivesse que resumir o filme em algumas palavras diria que Kluge nos apresenta um filme no qual uma jovem conduz uma solitária batalha feminista contra a indiferença da sociedade e a hostilidade das instituições.

 

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