sábado, 29 de maio de 2010

"Blow up: amplie, visualize e transcenda" por Lucas Simões


“Swinging London” foi o momento de exaltação dos costumes ingleses para o mundo durante a década de 60. Foi a cultura materialista regada por aparência. Foi o uso ufânico da bandeira Inglesa como representação de poder. Foram os Beatles em sua fase alienada cantando “Porque dinheiro não pode comprar o meu amor” em “Can´t buy me love”. Foi a moda artificial e supérflua alimentando o consumismo desenfreado. Foi a juventude míope e marginal às problemáticas sociais. Foi uma ideologia maquiada e excluída de propósitos consistentemente revolucionários.

Foi também o cinema de Antonioni cuspindo em toda essa nojeira formalista.

“Blow up” narra a história do respeitado fotógrafo Thomas que após revelar as fotos de um casal em um parque, suspeita da ocorrência de um assassinato. A construção do enredo com base na suposição pretende ir além dos fatos contatos para tratar subjetivamente das possíveis interpretações humanas.

A fuga de Thomas do set fotográfico em sua própria casa para um parque bucólico demonstra uma transformação nas intenções do fotógrafo em substituir a artificialidade das modelos por imagens naturalistas de um casal em romance.

Essa captura de imagens formará um semblante possivelmente imaginário em Thomas. Por que uma mulher misteriosa se demonstraria preocupada em ser fotografada com um homem no parque? Por que um rapaz desconhecido vigiava Thomas durante uma conversa com seu amigo no restaurante? A importância daquelas fotos vai se tornando cada vez mais evidente.

O fotógrafo parte para a revelação das imagens que posteriormente são ampliadas e pregadas na parede lado a lado. É possível fazer uma analogia da composição dessa cena como uma montagem construtiva. Cada imagem é um pedaço que concentra separadamente a atenção de Thomas.

O título “Blow up” deriva deste tratamento com as fotos através da ampliação. Porém, mais do que ampliar, Antonioni propõe que o espectador visualize e transcenda o óbvio. Uma mesma fotografia pode fornecer interpretações divergentes como uma paisagem pictórica, um expressionismo fotográfico ou até mesmo um crime bárbaro. Já diria Munsterberg que o filme deve existir além da película na consciência de cada pessoa.

Thomas, ao observar as fotos, enxerga uma arma em meio aos arbustos e um corpo estendido na grama, porém essas imagens talvez não fiquem evidentes para o espectador. Indícios dessa incerteza são revelados quando o fotógrafo durante um retorno ao parque consegue ver o corpo na grama, porém em outra investida, o corpo desaparece. Em um momento posterior, a mulher misteriosa é vista por Thomas observando uma vitrine, mas em seguida desaparece subitamente entre as pessoas. O crime de fato aconteceu? Aquele casal no parque realmente existe? Antonioni substitui as respostas às indagações por possibilidades. A realidade exibida pode ser onírica.

Fica claro em “Blow up” que as evidências se transformam em aparência. O suspense em torno do acontecimento no parque passa para plano de fundo. A narrativa se consolida em momentos pragmaticamente críticos e em outros subjetivamente psicológicos.

Na cena final, os mímicos se divertem jogando uma partida de tênis imaginário. Materialmente, não há bolas, raquetes ou regras. Thomas observa atentamente até que uma bola invisível paira em seus pés e ele interage não apenas devolvendo com um lançamento, mas indo além e escutando o próprio som imaginário das rebatidas entre as raquetes. A ficção pode assim ser perfeita em um mundo imperfeito.

De maneira superficial “Blow up” é uma simples exposição do “Swinging London”. Entretanto, a crítica ao período inglês é incorporada de maneira subjetiva nas entrelinhas. Paralelamente à narrativa, existe um tratamento sarcástico com que Antonioni explicita a sociedade banal inglesa. As mulheres são vistas como meros manequins inexpressivos e são hostilizadas constantemente pelo fotógrafo. Durante o show da banda Yardbirds, a contemplação por um público robótico demonstra possivelmente uma juventude passiva, preocupada na ousadia de pegar um pedaço da guitarra quebrada para depois descartá-lo. Em outra cena, os manifestantes contra guerra são vistos como minoria e tratados com indiferença pela população.

Para Antonioni a contestação da realidade é necessária, mesmo que camuflada através de propósitos imaginários.

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