sábado, 29 de maio de 2010
"Doce na boca, amargo nas entranhas", por Luciano Monteiro
Imagine um leve melodrama onde a atriz principal é linda, bem resolvida, tentando vencer na vida e que o único grande obstáculo para sua felicidade é sua mãe, egoísta e de postura infantil. Imagine agora que o melhor amigo dessa protagonista é um jovem belo, másculo e charmoso, capaz de arrancar suspiros de espectadoras juvenis ao redor do mundo. Pode ter certeza que este não é o caso. Em A Taste of Honey (Um Gosto de Mel, de Tony Richardson, 1962) tudo está pelo avesso, para nossa felicidade.
Aqui não temos uma bela atriz interpretando a personagem principal. Os personagens são perdidos, infantis e confusos. A abordagem é realista, dura, desconcertante, amarga refletindo bem o jovem cinema britânico da época. No filme de Richardson o angry young man dá vez ao feminismo e ao homossexualismo dos personagens principais, fato que atesta o porquê que a cultura pop britânica é uma das mais importantes e influentes da época. A obra é fruto de uma época de contestação com um porquê, com um motivo. Beatles, vanguarda, Swinging London, Stones, minissaia, emancipação feminina, juventude. O caldeirão da invasão britânica, impulsionada pela rebeldia própria da adolescência misturada a uma boa dose de boa formação artística das art schools britânicas dos anos cinqüenta, criadas pelo governo britânico para dar aos jovens algo útil para fazer, já que o mesmo governo não conseguira na época reconstruir suas universidades vitimadas pela Segunda Grande Guerra, tudo isso deu o tom e um toque de particularidade da invasão inglesa ocorrida nos anos sessenta, mas que encontra ecos até nos dia de hoje.
A Taste of Honey, que originalmente trata-se de uma peça de teatro, desenrola-se como, na verdade, uma singela fábula infantil e com leves toques do famoso humor britânico. A constante presença de crianças reforça um tom otimista, assim como a infantilidade e inconstância dos personagens. Nas entrelinhas, entretanto, o tom duro e sarcástico dos diálogos dialogam num contraponto perfeito a essa infantilidade. Os personagens são icônicos da nossa época e servem de metáfora a tudo aquilo que os jovens cineastas, como o próprio Richardson, queriam dizer. Jimmy, o amante negro da personagem principal, Helen, já nos mostra o quanto o filme é à frente de sua época e a gravidez solitária também da mesma personagem profetiza a quebra de tabus existentes até o tempo recente. Goeffrey, o doce amigo gay da personagem principal é carismático, doce e, por assim dizer, perfeito, idealizado com o claro intuito de quebrar as barreiras do preconceito. O marido da mãe de Helen é chato, bêbado, preconceituoso. Um curioso, personagem que simboliza o angry old man. Uma música instrumental homônima fora criada para a peça, mas que infelizmente não aparece no filme chegou a ser gravada pelos Beatles, porém Lennon e McCartney adicionaram uma letra, o que nos revela a popularidade da peça e do filme. E mais tarde o próprio McCartney compôs uma música inspirada em uma das canções da peça, Your Mother Should Know. É incontestável, portanto o quando este pequeno grande filme de Richardson é admirado, amado e estimado pela cultura britânica. Um filme que fica cada vez mais jovem com tempo. Mais jovem e mais doce.
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