domingo, 30 de maio de 2010

"Beber, cair, levantar; Beber, cair, levantar; Beber cair levantar", por Victor Laet


“Tudo começou no sábado” começa numa sexta-feira. Uma sexta-feira maçante marcada pela feitura de peças industriais, pela repetição mundana e massiva de um trabalho inerte, estéril, o qual tende a reificar seus atuantes, deixando-os num estado de indiferença quanto ao futuro e um morno gosto a um conformismo industrial. Palavras e pensamentos chatos, não? É só para enfatizar a quão tediosa a sexta-feira é mostrada.

Ao tratar de assuntos como marasmo na vida, a inércia, a falta de vontade, o longa do radicado britânico Karel Reisz se mostra um surpreendente filme – e as surpresas já começam no título: “Saturday night, Sunday morning” não é a duração da história no filme, mas o espírito dos anos ingleses chefiados por Macmillan e Home. Uma soma de espíritos conformados do pós-guerra com espíritos influenciados pelo eco das frases cínicas ditas por Bogart e os bordões encourados de Brando.

Por vezes o roteiro (assim como o livro, ambos assinados pelo recém-finado Alan Sillitoe) parece atacar impiedosamente a mediocridade. O que para uns é visto como uma vida simples, neste filme cinza é apontado como uma vida medíocre. Uma mediocridade germinada num pós-guerra que plantou um contentamento conformista nos homens: vindos dos anos da guerra, sem empregos, a então juventude se satisfez com o fato de estar trabalhando, deixando de lado almejos e adotando uma filosofia de predestinação mecânica. A vida não era boa, mas não havia porque reclamar: todos estavam empregados; era isso o que importava. Assim a idéia de ‘aqui estamos, daqui não saímos’ influencia a cabeça da juventude sucessora, impossibilitando-a a querer sair daquele cotidiano. Não fica muito difícil, então, levantar a bandeira do “I'm out for a good time - all the rest is propaganda!” (1) – como assim faz o protagonista.

Arthur, interpretado por Albert Finney, trabalha somente para poder desfrutar de roupas caras, falso status, alcoolismo e relações adúlteras. A trama tem seu ponta-pé ao revelar uma disputa de bebedeira num bar. Mostrado é o jovem Arthur com sua personalidade nervosa, esnobe e alcoolizada. A presença do álcool nos primeiros minutos do filme acaba sendo mais do que divertida, pois serve como apoio para uma sugestiva visão social daquela juventude inglesa: “Saturday night” seria todo o aspecto da maravilha, ebriedade, entorpecência, êxtase causados graças aos coeficientes do etanol, enquanto “Sunday morning” serviria como a ressaca, a consciência, o enxergar dos problemas – a mudança parece não ocorrer porque o sábado (Saturday) sempre precede o domingo (Sunday)(2).

As duas personagens principais do filme são vividas por Shirley Anne Field e Rachel Roberts, respectivamente Doreen e Brenda. Doreen é solteira e representa outro ponto a ser criticado pelos realizadores britânico neste filme: partindo de uma idéia de personagens de proletário (todavia sem adotar uma ideologia comunista(3) ), as mulheres desse proletário, como Doreen, tem suas aspirações moldadas pela comunidade a qual pertence, fazendo com que estas não ultrapassem o viés de casar-se com um homem trabalhador, ter uma casa e estagnar (esse é o verbo chave, pois durante a ‘trilha evolutiva’ dos jovens no filme, todo o querer de futuro nunca leva a uma de idéia de estabilizar e sim a estagnar-se na vida e aceitá-la) reconhecendo seu papel de submissa e tendo uma vida de dependência do marido. Sabido isso, Brenda pode ser vista como a evolução de Doreen. Brenda é casada e traí o marido com Arthur, uma traição fundamentada apenas na ociosidade de dona de casa onde os problemas conjugais são, não inexistentes, todavia pífios. Não obstante, engravida do amante numa época onde métodos anticoncepcionais e aborto eram ilegais(4).

Talvez a sequência mais impactante do filme se dê minutos pertos do término do filme. Dias antes, Arthur escuta da tia Ada (Hylda Baker) que chega uma hora na qual todo homem deve enfrentar a realidade, tomar as rédeas de quaisquer situações. Ao se deparar encurralado em um brinquedo giratório num parque de diversões, a subjetiva revela imagens distorcidas, movimentadas muito rapidamente, o que intensifica o receio do personagem. A inércia (que se mostra durante todo o longa-metragem social e a qual ele despreza, mas abraça ao mesmo tempo) deseja ejetá-lo do passeio para que assim, ele possa enfrentar seus erros. Não porque ele precisa tornar-se homem e largar a rebeldia sem causa juvenil, mas só porque, simplesmente, a inércia funciona assim, logo, a vida é assim.

Karel Reisz cinematografou não somente uma forte crítica assim como Allan Sillitoe não apenas roteirizou um brilhante livro. A importância de “Saturday night, Sunday morning” se desprende de prováveis listas de “os 1234567890 filmes que você tem de ver” ou de influenciar a cultura pop-alternativa dos anos 70, 80 e início do século XXI. Somente a idéia de tratar o sábado à noite como apogeu e domingo de manhã como queda valeria, mas não, eles vão além ao brindar público e crítica com uma trama tão verdadeira.

Victor Laet
Sete de maio de 2010

e como diriam o arctic monkeys no seu mais do que (por este mesmo filme) influenciado primeiro álbum: “last night what we talked about, it made so much sense; but now that the haze has ascended, it don’t make no sense anymore.” (5)


NOTAS:
1. “Arthur: I'll have a fag in a bit, no use working every minute God sends. I could get through it in half the time if I worked like a bull, but they'd only slash my wages so they can get stuffed! I'm out for a good time - all the rest is propaganda!”


2. Talvez esse site dê uma melhor idéia da ‘tese’: http://picnic-land.com/2009/04/saturday-night-and-sunday-morning.html

3. Uma característica presente desde os primórdios do cinema britânico: mostrar o coletivo, os trabalhadores – seja por ficção ou não – mas sem aderir à ideologia esquerdista.

4. “Aunt Ada: It's not right is it, I think men get away with murder.
Brenda: They do, don't they?”
5. “From Ritz to the Rubble”, Arctic Monkeys, Whatever People Say I Am, That’s What I’m Not, Domino Records, Inglaterra, 2006

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