sábado, 29 de maio de 2010
"Você tem certeza para onde está indo?" por Natália Ribeiro Barreto
Quem sabe, certo dia, Pressburger propôs a Powell: Vamos fazer um filme sobre uma garota que quer chegar a uma ilha, mas que está atrasada para chegar lá e quando ela pode chegar, não quer mais? Poderíamos pensar, inicialmente, que essa seria uma proposta ingênua, principalmente para quem vivia em plena 2ª Guerra. Mas, acredito que, em meio ao caos, fazer um filme de amor, no qual predominam o sonho e o mistério, é, no mínimo, digno de mérito. O gosto particular dos diretores por cenários “quase que esquecidos pelo mundo” é visível: se em Narciso Negro, um vilarejo no Himalaia, dessa vez, uma pequena ilha na Escócia, Colonsay, de nome fictício Kiloran, onde há castelos amaldiçoados e as águas do mar tem quase que vontade própria.
Sei onde fica o paraíso não foi simplesmente um projeto inspirador enquanto Powell e Pressburger esperavam a chegada definitiva das cores às telas. Se, como os diretores disseram, a história fluiu quase que espontaneamente, só poderiam mesmo estar falando do roteiro. Mesmo que as cenas internas tenham sido filmadas em estúdio, cenas complexas como a travessia de barco no meio de uma tempestade exigiram muita técnica e inteligência dos diretores. Sendo essas sequências a combinação entre as filmagens no tanque do estúdio - onde se usou até mesmo gelatina na água para a criação de mais efeito das ondas - encenações de estúdio do barco em gimbal e imagens filmadas em cenários naturais. Outra dificuldade teria sido a impossibilidade de Roger Livesey, que interpreta Torquill, de ir à Escócia durante as filmagens. Problema que teria sido resolvido com a utilização de dublês nas cenas de área externa.
Joan, interpretada por Wendy Hiller, figura a típica garota de classe média alta que visa à preservação de seu status quo por meio de um casamento vantajoso. O problema é que ela “sabe para onde está indo”, mas os supostos “acasos” não a permitem chegar lá. Terrivelmente teimosa e obstinada, nada a desvia do seu destino cuidadosamente escolhido, a não ser o aparecimento de um atípico príncipe encantado, Torquill, trajado em sua saia escocesa. Como aparente característica comum às obras de Powell e Pressburger, a história parece se sustentar enquanto os personagens não tomam uma decisão definitiva quanto aos seus conflitos interiores. No caso de Joan, dividida entre sua paixão por Torquill e sua ambição material.
O lugar torna-se particularmente estranho aos olhos de Joan ao perceber que, ali, as pessoas não encontram sentidos de vida em visar ao dinheiro e à posição social, e sim, em permanecer em constante contato com a natureza e suas forças místicas. A maldição do castelo, desconhecida até o final do filme, mantém o suspense de que algo terrível poderá acontecer, mas, ao final, descobriremos que a maldição não é, propriamente, uma vingança, mas um destino - maravilhoso para os apaixonados - a ser cumprido: ficarem acorrentados um ao outro pelo resto de seus dias.
A trajetória de Joan é uma trajetória de descoberta do amor, do desprendimento, dos pequenos prazeres, da doação e, sobretudo, da incerteza. Joan descobre a incerteza. A incerteza em que se atira ao abrir mão de seu suposto paraíso para viver um grande amor. Talvez, nesse momento, ela tivesse dito, como nos belos versos de José Régio: não sei por onde vou, não sei para onde vou, só sei que não vou por aí.
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