sábado, 29 de maio de 2010

"Um Gosto de Mel/A Taste of Honey (1961)" por Bruno Alves


Spoilers a rodo.

Queridos leitores (sim, fingirei que mais de duas pessoas, contando o que vos redige, vão ler isto), vocês já passaram pelo fatídico e triste momento aonde tinham que escrever algo e no entanto não conseguiam? É a minha situação, amigos. Preciso escrever uma resenha de Um Gosto de Mel e no entanto não sai nada do meu pequenino mas esforçado intelecto. Estou com calor, fome e sono. Maldição. Perambulo pelo apartamento nesta quieta madrugada em busca de inspiração. Procuro um biscoito treloso para ingerir e nada encontro. Maldição. Deito no sofá para meditar o texto e acordo duas horas depois sem texto e com a coluna partida em quatro partes. Maldição. Vou ao banheiro lavar o rosto, acordar os sentidos. Me sinto como o protagonista de algum péssimo romance de Stephen King (desculpem o pleonasmo), mais um escritor fracassado sofrendo de um infame writer's block e assombrado por um espelho que insiste em mostrar uma verdade inconveniente: Meu rosto. Maldición.

Se engana o leitor que acha que essa introdução foi apenas para enrolar, enrolar, enrolar e botar o contador de palavras a girar, girar e girar. Não apenas isso, embora o leitor mais atento certamente notou que não havia a mínima necessidade de repetir três vezes os verbos da oração anterior, anterior, anterior. Sua função foi dupla. Também serviu para em minha auto-depreciação costumeira incorporar a personagem principal. Acho que está funcionando...

É bem esquisito, não apenas meu rosto mas esta sensação de se olhar no espelho e achar que há algo de errado com você. Imagine neste triste mundo monocromático que nossa protagonista Jo habita. Com duas bolas de gude (das buchudas) de olho, bocuda e um jeito moleque é uma deslocada natural. Sua mãe é promíscua, canta como se tivesse engolido um galão de hélio e nunca deu bola para nossa protagonista. Estão presas em um ciclo de insultos e tréguas, insultos e tréguas, insultos e tréguas (três vezes?!) que nunca se acaba. De casa em casa, sempre fugindo do fantasma do aluguel, não tem onde criar raízes e adquirir aquela segurança necessária para o crescimento saudável de qualquer pessoa. Sente uma carência natural nunca suprida por ninguém até a aparição supostamente fortuita em sua vida de seu príncipe Ossini (Jimmie para os íntimos), direto de um palácio luxuoso nas savanas de algum misterioso país da África, posando de descascador de batatas de um navio da marinha ele é a primeira fonte de afeto relativamente estável na vida da nossa feinha protagonista. Logo, logo, logo (três denovo?! Preposterous!) uma precoce paixão se forma e em pouco tempo estão trocando juras de amor e promessas de casamento.

Solidão é uma constante na vida de Jo e está prestes a se tornar permanente. Sua mãe, velhinha cheia de aforismos existencialistas, está prestes a se casar com Peter, boêmio com olho de vidro e uma tara por figuras maternas. Édipo ficaria intrigado. Infelizmente o conflito de personalidades entre Peter, o bebum edipiano de mão boba e nossa protagonista com suas pitombas que lhe encaram a alma, tudo chega à um prevísivel impasse... ou ela ou ele. Sua mãe não decepciona as baixas expectativas que já tínhamos dela e escolhe o óbvio ululante para alguém do seu quilate. É uma chance de ouro para recomeçar! Pois vá para o raio que te parta Jo mas antes um dinheirinho pro ônibus querida, quer que eu te acompanhe até o ponto? Grr....

É neste estado que Jo se entrega à Ossini que partirá no dia seguinte. Mas o futuro não importa, Jo só quer se sentir amada, mesmo que à beira de um rio fedorento, num chão seboso embaixo de um céu cinza tom grafite...

Larga a escola e começar a trabalhar numa sapataria, aluga um vasto apê caindo aos pedaços e inicia uma terna amizade com Geoffrey, sua primeira venda bem sucedida e homossexual sem teto. Jo rapidamente lhe chama para compartilhar moradia. Geoffrey é outro bicho esquisito, não apenas pelas características já citadas que não o faz ser o cara mais popular entre as senhoras conservadoras da Inglaterra dos anos cinquenta... e sim pelo valor simbólico do personagem. Ele é o verdadeiro amor que nunca houve na vida de Jo. É o amor incondicional sem nada a exigir, que mesmo pisado e chutado inúmeras vezes pela língua venenosa de Jo e suas alternâncias de humor, nunca desiste de oferecer-lhe o afeto que tanto necessita.

É o verdadeiro gosto de mel na vida miserável de nossa protagonista. Geoffrey é tão bom que chega a cogitar em sacrificar sua sexualidade pelo futuro filho de Jo (spoilers galore!). Caramba Geoffrey, você é o cara. Acho que se cada pessoa no mundo tivesse um Geoffrey só para si (lá ele) não haveriam pessoas tristes no mundo. Mas o retorno de uma velha coroca e a já citada gravidez jogam uma bigorna pesadíssima na bela amizade. Enfim, Um Gosto de Mel se passa no mundo real, onde contos de fadas não existem e nossa protagonista não quer ser mãe, muito menos solteira. Aonde o único herói do filme é expulso de casa e não se impõe à vilã existencialista. Aonde tudo acaba em uma ambiguidade... em uma incerteza angustiante.

Nenhum comentário:

Postar um comentário