quarta-feira, 23 de junho de 2010

"Repulsa ao sexo", por Ramon Dias



O diretor franco-polonês Roman Polanski é um homem que conhece de perto o lado obscuro da psique humana. Ainda muito novo, sua mãe foi morta em um campo de concentração nazista durante a Segunda Guerra, e Polanski só conseguiu sobreviver por que passou parte da vida em fuga, evitando sua prisão. Em 1969, sua mulher foi assassinada pelas mãos da família Manson, liderada pelo maníaco Charles Manson, um dos mais conhecidos serial killers da história americana. Essas tragédias deixariam marcas profundas em sua vida, e sem dúvida influenciariam para uma aproximação de suas obras a temas como loucura, violência e barbárie. Filmes como O inquilino, Dança com vampiros ou O bebê de Rosemary flertam com o gênero de thriller/terror, e tornaram-se verdadeiros clássicos. Mas certamente foi em Repulsa ao Sexo (1965) que o diretor se projetou, ganhando a notoriedade da crítica internacional.

O filme acompanha a história de Carol (Catherine Deneuve), uma bela manicure que trabalha em um salão de beleza na agitada Londres dos anos 60, momento em que a cidade passou a ser um pólo da cultura de vanguarda, lançando ao mundo tendências inovadoras e ousadas nas áreas da música, moda e cinema. Era o momento dos Beatles, Rolling Stones e The Who, da minissaia, dos atores Julie Christie, Alan Bates e Terence Stamp, e dos cineastas Tony Richardson, Richard Lester e Lindsay Anderson.

Mas em meio a toda essa efervescência jovial, Carol mostra-se distante. Tímida, reprimida e obcecada por limpeza, apresenta uma grande dificuldade de se relacionar com as outras pessoas, principalmente do sexo oposto. Carol prefere passar as noites trancada em seu apartamento, que divide com a irmã mais velha Helen (Yvonne Furneaux), apesar dos constantes convites para sair do incansável aspirante a namorado, Colin (John Fraser). Qualquer coisa que remeta ao sexo a causa náuseas, e um simples beijo roubado por Colin é motivo de uma corrida desesperada em busca de uma pia para lavar violentamente a boca.

A situação piora quando Helen decide viajar para a Itália com seu namorado Michael (Ian Hendry), deixando Carol sozinha em casa por dez dias. A partir daí, o filme ganha uma conotação expressionista, quando o cenário começa a transformar-se à medida que a sanidade da protagonista entra em uma decadência progressiva. Rachaduras começam a aparecer nas paredes, que adquirem uma consistência cada vez menos sólida, e o apartamento parece ficar mais apertado, com mais objetos espalhados, aumentando a impressão de claustrofobia e loucura. A única companhia de Carol é um coelho cru e temperado em cima da geladeira, que vai apodrecendo com o tempo, causando também no espectador uma sensação de repulsa. Delírios e pesadelos sexuais vão se tornando mais e mais freqüentes, ao ponto de tornar-se difícil distinguir o real do imaginário, e o filme toma uma atmosfera etérea. Os sons também possuem uma grande importância na criação dessa atmosfera onírica, como a repetição do tic-tac do relógio, do sino da igreja vizinha, e dos barulhos noturnos de passos se aproximando ou coisas estalando. Entretanto, nas seqüências em que Carol imagina estar sendo estuprada, Polanski optou pela ausência de som, como que acentuando a impotência da personagem diante da situação, pois apesar dos inúmeros gritos proferidos, nada se ouvia. Também merece atenção a atuação de uma jovem Catherine Deneuve, sempre com o olhar perdido e fora do mundo externo.

O primeiro plano já sugeria o tom do restante do filme. Um plano-detalhe sufocante de um olho apreensivo, que termina com o rosto de Carol, aérea. Dessa forma, Roman Polanski conduz uma obra sobre as paranóias e psicoses criadas pela sociedade moderna, que, apesar de se considerar progressista e libertária, não dá espaço para aqueles que não se adéquam aos seus costumes e ritmos, gerando todos os dias histórias trágicas como aquela vivida por Carol. É só ligar a TV e assistir ao jornal.

Um comentário:

  1. Gostei do texto, está bom, mas faltou mais informação sobre o filme e o modo como POlanski (sempre magistral) apresenta o horror do cotidiano.

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