quinta-feira, 24 de junho de 2010

"Desejo e Reparação, uma adaptação de Ian McEwan", por Annyela Rocha


Por favor, nunca, mas nunca se deixe confundir e pensar que “Desejo e Reparação” (Atonement, dir. Joe Wright, 2007) é mais um romance de Jane Austen. Os geniais tradutores brasileiros, geralmente responsáveis por péssimas escolhas, põem os títulos pensando nas vendas e parece que só nisso. E é assim que From Paris With Love (dir. Pierre Morel, 2010) se torna, no Brasil, Dupla Implacável, só para tentar pegar carona no sucesso de Busca Implacável, (Taken, 2008), também dirigido por Pierre Morel. O título de Atonement para o Brasil tem mesmo essa ideia de confundir, ainda por cima por ter a direção de Joe Wright e incluir Keira Knightley no elenco (assim como Orgulho e Preconceito, 2007). Mas se ilude quem acha que vai ver mais um filminho doce.

Desejo e Reparação também é uma adaptação de uma obra literária, mas de um autor contemporâneo e bem diferente de Austen. Ian McEwan é esse autor, que não só permitiu a adaptação como foi produtor executivo do filme, garantindo a fidelidade ao seu livro. O resultado foi bem feliz e a transposição para as telas garantiu para o cinema inglês um ótimo título no catálogo.

Por ser de época e mostrar cenário e caracterização de personagens condizentes com esse gênero, Desejo e Reparação pode ser considerado um heritage film, ou filme de patrimônio britânico, mas não é um heritage qualquer. Os filmes de patrimônio em geral eliminam a problemática da vida contemporânea ao transpor suas narrativas para um cenário idealizado do passado. O passado se torna algo tão ficcional quanto a vida em outro planeta, permitindo a imaginação mitificada, platônica. Essa aniquilação dos conflitos da atualidade traz para o gênero a recorrência de filmes voltados para o público feminino, centrados no romantismo. Atonement não deixa de ser voltado para esse público, ou de ter o toque de romance, mas não faz o uso de tanta mitificação ou idealização de vida do passado.

Um detalhe que distingue o filme dentro do gênero é o fato de ele ter três tempos de narrativa, sendo o último na contemporaneidade. O que prova que ser um filme de época não foi uma tendência idealizadora para a trama. Outro fator inerente a Desejo e Reparação é a crueza no tratamento dos personagens. Não há uma segunda chance para eles nem salvação alguma em vista. Todos têm o mesmo fim de certa forma, principalmente Brinoy Tallis (interpretada por Saoirse Ronan, Romola Garai e Vanessa Redgrave), Cecilia Tallis (Keira Knightley) e Robbie Turner (James McAvoy).
É, ainda assim, um melodrama, com o teor dramático bastante acentuado pela trilha musical, mas sem pieguices. Mais ainda, Desejo e Reparação é uma reflexão sobre os atos que cometemos. Sobre as decisões precipitadas e o peso que elas podem ter nas vidas alheias. Sobre a culpa. Sobre a incompreensão. O amor impossível. A perda. É um pedido de redenção. Mas a redenção não existe, simplesmente porque assim é a vida; e a vida é um espaço de tempo onde se paga pelo que se faz.

Além das excelentes atuações de Keira Knightley, James McAvoy e das três atrizes que interpretam Briony, a trilha sonora chama atenção. No início, a trilha musical se confunde com o som de teclas de uma máquina de escrever e com os passos de Briony, enquanto ela termina sua primeira peça teatral. As tecladas de Briony são a única forma que a garota tem de se expressar e de perdoar a si mesma. As ideias da menina são capazes de controlar os colegas numa peça, mas também toda a vida de um casal apaixonado. E a composição musical de Desejo e Reparação evidencia tudo isso.

O diretor Joe Wright mostra sua marca autoral nessa adaptação e se redime com os críticos que não gostaram do seu trabalho anterior, Orgulho e Preconceito. A fotografia continua sendo um elemento importante, assim como o figurino. Destaque para o vestido verde de Cecilia. Verde e não vermelho, apesar de ser na cena mais passional de toda a narrativa, porque o vermelho mais tarde servirá para exibir a culpa. A direção de arte também marca presença, especialmente no momento de mais exuberância técnica do filme, o plano sequência da praia na costa norte em plena II Guerra Mundial. E é assim que, em meio a isso tudo, apenas Joe Wright se repara, mas é uma ótima reparação.

Um comentário:

  1. Esse vestido, sério, é quase um personagem por si só. Incrível...

    Gosto bastante desse filme...

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