quinta-feira, 24 de junho de 2010

Mães, filhas, negros e gays, por Annyela Rocha




Um Gosto de Mel (A Taste of Honey, dir. Tony Richardson, 1961) conta a história de Jo. E Jo não é bonita. Jo não vive bem. Jo não está buscando um grande amor. Ela é apenas Jo. Não é rica. Não tem relacionamentos ideais. Tem uma mãe complicada. Um amigo de verdade. Uma gravidez indesejada. Ela é Jo e ela é real.

Relacionamentos entre mães e filhas nem sempre são perfeitos. Alguns envolvem sensações como abandono, fracasso, tristeza ou até ciúmes. No caso de Jo (Rita Tushingham), ela muitas vezes abandona o papel de filha para orientar a própria mãe, Helen (Dora Bryan). As brigas entre as duas caracterizam ambas as personagens como reais, possíveis. Além de constantes, ocorrem com diálogos bem escritos, instigantes, garantindo o enquadramento do filme no gênero de kitchen sink drama: a narrativa possui conflitos familiares, domésticos, desenvolvidos através de um realismo social, destacando a classe operária.

Apesar dos problemas com a mãe ausente, promíscua e festeira, Jo segue sua vida com uma aparente leveza. A interpretação de Rita também traz um ar de inocência para Jo, que por vezes beira a infantilidade. Isso inclusive é um dos pontos em que Um Gosto de Mel toca constantemente: a necessidade de amadurecer antes da hora, o peso da ausência de bons exemplos dentro de casa no decorrer desse processo, a perda da pureza, os conflitos juvenis. O contraste entre vida infantil e vida adulta é realçado ainda pela presença, ao longo de todo o filme, de crianças brincando em vários locais da área industrial onde Jo vive.

Todos os integrantes da narrativa vivem à margem de uma sociedade ideal, principalmente de uma sociedade ideal da década de 1960. Helen, a mãe, não cuida bem de Jo, bebe, saí muito e acaba se casando numa idade não muito comum para a época. Jo se relaciona com um marinheiro negro – e essa relação por si só podia ser um choque tanto dentro da diegese quanto para o público espectador. Depois da partida do marinheiro, Jo divide sua casa com um amigo que tem tudo em comum com ela, é atencioso, cuidadoso, supre as necessidades de uma figura masculina em sua vida, mas é gay.

Muito acontece na vida de Jo, entretanto no fim das contas nada parece mudar muito, o que mantém o toque de realismo através da falta de muitas perspectivas. Assim Richardson construiu um retrato de uma classe, partindo dos dramas familiares e completando tudo com um toque de choque cultural e escândalos sociais. E o retrato se encaixa perfeitamente no contexto das ruas sujas, dos becos e docas mostrados na fotografia naturalista de Walter Lassally. Um Gosto de Mel pode ser considerado, então, e sem exageros, um dos melhores filmes do cinema britânico.

2 comentários:

  1. ("a perda da pureza"...
    mas só podia ser Annyela mesmo!:X)

    muita vontade de ver esse filme...

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  2. O texto é bom mesmo. Só faltou um pouco mais de informação sobre o filme, além do enredo.

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