domingo, 1 de julho de 2012
Você sabe o que pensa o rato na quinta? , por Luciano Viegas
O rato, na quinta, pensa o mesmo que em todos os dias: pão e presunto, mais presunto que pão. É neste tom sarcástico que Fassbinder iguala a protagonista de Martha (Margit Carstensen) ao roedor – frágil e incapaz de refletir sobre suas próprias circunstâncias, estrangulada pela rigidez do matrimônio, ela pensa apenas no imediato: agradar ao marido Helmuth (Karlheinz Böhm)
O primeiro encontro do casal é silencioso e tão rude quanto às suas relações posteriores, no plano-sequência mais impressionante do filme. A câmera gira 720° em torno dos protagonistas, que se entreolham e seguem rumos opostos – algo como os tantos encontros casuais cotidianos que não dispõem do artifício do movimento de câmera para denunciar o tal “momento mágico”.
Virgem aos 30 anos, Martha é insegura e depende de calmantes, como a mãe. Ela se apoia na primeira promessa de estabilidade emocional, o casamento. Fassbinder molda uma personagem que de tão ingênua é, também, cômica. Tenta-se desvendar por dentro a origem misteriosa de uma submissão que não é de Martha, mas das várias gerações de mulheres que se viram enclausuradas pela dedicação exclusiva, sexual e doméstica, aos seus maridos.
Como em Roleta Chinesa, Fassbinder está preocupado em esfacelar as falsas relações burguesas, desmascarando os seus indivíduos. Helmuth é sádico, arrogante e não suporta concessões. Fica escancarado o modelo ultrapassado de desigualdade entre os sexos e, de forma irônica, a impossibilidade de fugir dessa união indesejada. Martha terá de esperar sentada, literalmente, “até que a morte os separe”.
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