Minha adorável lavanderia (Reino Unido, 1985) é a prova de que o diretor Stephen Frears desde cedo destoava do cinema comum e comercial. Funcionando quase como um “painel” sobre os Estudos Culturais, o filme traz ainda uma política subjetiva, freqüentemente explícita nos diálogos. O longa traz situações inusitadas, especialmente ao mostrar um relacionamento amoroso entre dois homens de mundos completamente diferentes. Omar é paquistanês, membro de uma numerosa família tradicional, que mora na periferia de Londres. Johnny é um jovem inglês, sem família, que não respeita regras nem valores da própria sociedade, muito menos os costumes familiares. As diferenças culturais são extremamente evidentes e são obvias desde a caracterização dos personagens, figurino, sotaque...
A busca por uma identidade – bem como a sua legitimação – é uma constante em todo o filme através dos seus vários tipos humanos apresentados. O diretor estrategicamente aborda a “nacionalização” dos personagens, no sentido particular de “marcar território”, e assim encontrar elementos que traduzam o sentimento de “estar” no mundo, bem como “pertencer” a um país ou a alguém. Muito maior do que o desejo inicialmente contido do protagonista em sair da dependência do pai, é a sua vontade de ter o seu próprio lugar, mesmo que este seja uma lavanderia da família.
A obra se desenrola e se propõe a mostrar toda uma discussão sobre classes, etnia e gênero, sugerindo uma ampliação dos horizontes políticos e culturais. “Que chance um inglês daria a um paquistanês comunista, que chance daria a um comunista socialista?”. Com isso, o filme explora questões como a tolerância e a convivência entre indivíduos preconceituosos (e distintos em vários aspectos), ironicamente dividindo um mesmo espaço. Há, portanto, uma confluência cultural muito forte, onde muitas vezes nos deparamos com inversões, como por exemplo o fato do protagonista paquistanês não se reconhecer culturalmente em nenhum de seus próprios familiares; seu tio, da mesma forma, um empresário que se relaciona com uma “distinta” senhora inglesa, é chamado de “porco imperialista” por um de seus inquilinos ingleses. “Não há questões raciais na nova cultura empresarial”.
Há também no filme a constante tentativa de expandir ou redemarcar as fronteiras, nem que para isso seja necessário recorrer a apagamentos ou apropriações de espaços ou valores alheios. Entretanto, Stephen Frears tem a preocupação de mostrar uma solução para esses confrontos culturais, e assim, propõe uma hibridização entre as culturas (ampliadas no filme pelas divergências entre as duas nações, configuradas como primeiro e terceiro mundos).
Sendo assim, o diretor aproveita para também criticar politicamente o seu país, através dos discursos tanto dos paquistaneses quanto dos próprios ingleses, proporcionando assim uma opinião e uma “vivência comum” oriunda de olhares diferentes. Essas percepções são obtidas graças também à condição periférica dos personagens (migrantes ou marginais), situados à margem do centro produtor e disseminador de valores sociais, políticos e culturais.
Além disso, nem tudo em “minha adorável lavanderia” é justificado, ou seja, os fatos não apresentam necessariamente uma seqüência lógica, em outras palavras, as cenas não são muito coesas, mas nem por isso, interferem na coerência da obra. Isto é, os fatos são muitas vezes “jogados” na narrativa, mas tudo é rapidamente (e facilmente) compreendido. Outra característica do filme é fato de trazer situações não muito evidentes, a maioria das vezes, feitas “às escuras”, onde a penumbra ultrapassa os limites do discurso e chega à fotografia. Com isso, diversas cenas são filmadas em contraluz, além de inúmeras seqüências noturnas, com tomadas internas, fazendo com que o ar restrito e “escondido” dos acontecimentos seja referenciado também nas imagens.Assim, é perceptível o tom de ousadia do diretor, que ao lavar a “roupa suja” do próprio país, não demonstra receio em sugerir para o público uma realidade atual até os dias de hoje
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