domingo, 7 de dezembro de 2008

"O mundo" por Leonardo Nóbrega da Silva




"O mundo", filme do diretor Zhang-ke, de início aparenta uma simples denúncia política contra o mundo da repetição, da simulação da vida dentro da vida. Algo que se poderia basear na teoria do simulacro de Baudrillard, se não fosse o pessimismo de vida deste autor. O Mundo é o nome de um parque de diversões em Beijing onde estão colocadas várias réplicas dos principais pontos turísticos. Dessa forma, pode se “ver o mundo sem sair de Beijing”. Pegando um trenzinho que roda o parque, pode-se dar a volta ao mundo em apenas quinze minutos. São os apelos da modernidade lançados ao extremo.

O enredo gira em torno de alguns funcionários que trabalham no parque. Tao detém o ponto de vista narrativo. Sua vida fica praticamente toda restrita ao parque: um dia ela pode fazer o papel de indiana e no outro será uma africana. Atrás de uma aparente vida de glamour, vive alguns poucos momentos de felicidade que são sempre quebrados pelas brigas com o namorado, Teisheng. A complexidade desse último personagem vai acompanhar as mudanças que trazem dinâmica ao filme e mostram a beleza e impossibilidade de se simular tudo por aparatos tecnológicos. Teisheng recebe alguns familiares na cidade e, depois de mostrar orgulhoso onde trabalha, os encaminha para as obras onde eles vão poder trabalhar.

Um dos poucos contatos que se tem realmente com o mundo externo é com o grupo de russas que chega para trabalhar no parque, alguns pessoas que ao morar fora, como o ex namorado de Tao e Qun e algumas fotos que mostram locais que o parque não consegue reproduzir.

O mundo, que se propõe simulado totalmente pela proposta do parque, começa a se mostrar extremamente complexo quando se aprofunda na alma de cada um daqueles funcionários. A dinâmica de suas interações faz quebrar as suas aparências de “fakes”, de criaturas fantasmagóricas que vivem naquela simulação que pretende abarcar o mundo todo. A utilização do celular dá um toque descontraído, joga cores e revela os sonhos de quem os utiliza. É pelo celular também que se chegam noticias ruins e que encaminham o filme para o final trágico.

A beleza em tudo é de se mostrar a impossibilidade de se viver esse mundo que muitas vezes nos parece proposto como um dado, um mundo que se vê através da tela do computador, do celular, da televisão. Beijing no filme é colocada como a esperança que já de cara é falsa, o futuro que desde que se chegou já não se faz mais presente. Os planos de câmera que correm o parque podem mostrar uma pirâmide egípcia a alguns metros da torre Eiffel. Toda essa simulação vai perdendo espaço para o enredo estritamente humano, a complexidade das relações, as formas de sobrevivência que cada pessoa arruma. As conversas entre Anna, bailarina russa que chegou com o grupo, e Tao, são reveladoras exatamente desse complexo mundo afetivo. Alguns olhares que elas trocam sugerem sensualidade, porém elas, mesmo não falando a mesma língua, começam a se entender e parecem nos fim das contas serem a únicas pessoas ali a manterem uma relação verdadeira de companheirismo.

“O Mundo” se revela então distante daquela coisa da simulação de Baudrillard, distante do fechado, da simples assimilação, da simples reprodução. O mundo é então o mundo das relações afetivas e dentro deste não se pode utilizar simulacros, as histórias vão ocorrendo ao ritmo pulsante de uma dança: cada passo pode desencadear em outro e não se sabe onde tudo vai terminar. A contingência é a salvação do que se diz o simulacro humano.

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