sábado, 6 de dezembro de 2008

"Simpatia por Godard" por José Roberto Guerra


Ao assistir Sympathy for the Devil (1968), deparei-me com mais um exercício de extrema ousadia estética e narrativa do Godard e, ao mesmo tempo, com uma profusão de referências políticas e da contracultura.
O documentário segue a linha de outros filmes do diretor. Os cortes secos e os planos longos nos remetem ao Godard de sempre. No entanto, a música dos Stones parece querer falar, ou tocar, mais alto do que o(s) discurso(s) político(s) do filme.


O estúdio


As cenas do processo de criação da música dos Stones parecem estar em descompasso com a melodia (contagiante) da obra... E os fãs da banda que vão a busca de um filme sobre os Rolling Stones ficam sem nenhuma satisfaction. Tais cenas, planos longos, são cortados a seco e a música nunca acelera como (parte) da platéia espera. Na verdade, os versos da letra que ficam se repetindo a cada erro dos músicos parecem falar mais do que o rock em si.
Nesse aspecto, o filme, a música, a banda e Godard fazem sentido como uma grande colagem de referências ao momento conturbado que todos eles estavam vivenciando. E são essas transformações sociais e políticas (principalmente) que soam mais alto no filme.


O mundo lá fora

Os planos que intercalam a banda trazem personagens emblemáticos que de certa forma permeavam o imaginário daquele ano: os Panteras Negras, uma democracia apática (a personagem Eve Democracy) que só responde 'sim' ou 'não' e os trechos em off de textos que remetiam ao marxismo e a necessidade de uma revolução.Em relação à contracultura, as tomadas apresentam os revolucionários de maio de 68, feministas, uma pichadora (criadora de neologismos como "sovietcongs"), um livreiro que lê trechos do Mein Kampf, de Hitler, e vende também revistas masculinos e panfletos marxistas. Nessa confusão (1968) de ideologias, o rock'n'roll passa a ser um interlocutor entre as mudanças que estavam ocorrendo no mundo e a juventude que estava seduzida pelas guitarras

A música


A obra dos Stones funciona como uma costura simbólica dos eventos que são trazidos por Godard nos planos secos. Simbólica porque não fala exatamente sobre o que nós assistimos, mas sobre a inversão de ou o questionamento de valores que permearam aquele ano e que na figura do Diabo ficaram mais claros. O julgamento de Cristo, a revolução russa e o assassinato dos (Robert e John F.) Kennedy estão na música. Por sua vez, o Diabo pede simpatia e polidez e afirma que todo pecador um santo. Além disso, ele é capaz de incriminar nós todos pelos crimes que estavam sendo cometidos, a responsabilidade não era só dele, mas da nossa incapacidade de construirmos um mundo melhor (“I shouted out, "Who killed the Kennedys?", When after all, It was you and me”).


O filme


Em 1968, Godard fazia parte de um grupo de cinema profundamente dedicado ao cinema político, ele tentava descobrir como o cinema poderia ser útil à luta política direta. Nesse sentido, o filme pode ser entendido como um mosaico de época, um tempo em que ainda se acreditava que a revolução mudaria o mundo. Acreditava-se no homem e nas suas potencialidades. Um homem talvez mais humanista.

Em relação a essa vontade de lutar, o filme naturalmente me remeteu a algumas imagens glauberianas. O esforço de mudar o mundo, a função da arte libertadora (a música em Godard e a poesia em Glauber), as manifestações populares como formas de contestar o poder tirano... Por fim, o filme me surpreendeu mais por seus aspectos fílmicos do que pela música, que num primeiro momento parecia ser o mote da narrativa.

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