terça-feira, 5 de maio de 2009
“O Medo Devora a Alma” (Angst Essen Seele Auf, Alemanha, 1974), Rainer Werner Fassbinder por Davi Lira de Melo
Em “O medo corrói a alma”, Fassbinder consegue várias proezas. Desenvolve o argumento em duas semanas, encontra o ator principal de forma espontânea, produz o filme com um parco orçamento, e transforma essa obra em um melodrama forte e poderoso.A finalização dessa obra deu-se em 1974. Era, na verdade, o 3º filme produzido naquele mesmo ano.
O diretor, sem dúvida, possui uma vasta produção cinematográfica. Na contabilização de seus 37 anos de vida, verifica-se o lançamento de 43 filmes. Sua rápida trajetória, enquanto produtor e diretor de cinema, deveu-se a uma trágica overdose, 6 anos após o lançamento de “O medo corrói a alma”.
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O melodrama torna-se poderoso a partir do momento que o diretor toca em questões sensíveis à sociedade da época. Tratava-se a Alemanha Ocidental do anos 70, e associada a ela: personagens do terceiro-mundo africano, retratados por imigrantes marroquinos-árabes.
A pressa na concepção do argumento e a “espontaneidade” despertada quando da escolha do ator principal é justificada pela própria situação à qual Fassbinder lidava na época.
O alemão percebeu a necessidade em se trabalhar tal roteiro, pelo fato do seu companheiro El Hedi bem Salem (o próprio ator principal do filme) está passado por essa experiência xenófoba, nem um pouco agradável. “Ali”, como são conhecidos os árabes de nomes longos e complicados havia emigrado para a Alemanha, e até então não havia se habituado, nem havia sido devidamente socializado com os habitantes daquele país.
A idéia que parte da Alemanha Ocidental expelia uma série de preconceitos de raça, religião e etnia prevalece até hoje. Nos fins dos anos 70, então, a sensação de xenofobia era facilmente percebida por imigrantes oriundos de países subdesenvolvidos. Essa era a situação de Ali.
Foi justamente esse sentimento de não-pertenecimento à sociedade, por parte de desse marroquino, que foi sabiamente captado por Fassbinder.
A idéia inicial do alemão, de fato, era trabalhar essa relação consigo mesmo. Havia essa intenção de Fassbinder em contracenar com seu amante. Mas tal disposição não era bem vinda: seria uma quebra estridente de paradigmas. Preferiu-se abordar a questão envolvendo o imigrante com uma mulher alemã.
No entanto, Fassbinder não buscou qualquer personagem. Seria importante causar furor, invocar certa repreensão na sociedade alemã. Foi assim, que o diretor optou pela escolha de Brigitte Mira, com a personagem feminina da história.
O filme trataria, na verdade, no envolvimento desses dois personagens. Seria o imigrante com uma alemã.
O furor, contudo, seria provocado pelo fato dessa personagem feminina ter certas características. Era uma senhora de meia idade. Trabalhadora sub-empregada, para os padrões alemães de então. Viúva. Mãe de 3 filhos já crescidos e independentes. Que morava só. E gastava suas horas com o trabalho de faxineira.
O envolvimento amoroso e afetivo entre Ali e Emmi, a viúva, 20 anos mais nova, estava estabelecido. Este foi o norte explorado por Fassbinder. Seu propósito era claro: ele queria levantar essa questão. Queria que os próprios alemães ficassem cientes dessa problemática. A sociedade de então precisava visualizar esse romance.
O grande diferenciador era justamente a forma pela qual Fassbinder conduziu o roteiro: cheio de honestidade e transparência.
Ele não captou o romance de forma piegas, nem caricatural. Não. Definitivamente. Fassbinder tratou de trabalhar as duas óticas de dois universos diferenciados, porém unidos sob a mesma ótica. Os personagens eram criaturas de dois mundos: o mundo desenvolvido e o terceiro-mundo.
A semelhança era que ambos pertenciam grupos minoritários e depreciados pela sociedade: a idosa e o imigrante.
Duas pessoas deslocadas no mundo, em busca de uma razão, em si, de uma felicidade duradoura, ou até mesmo de uma paixão arrebatadora.
Isso Fassbinder deixa transpassar nas entrelinhas. Não se tratava de um caso amoroso gerado por dois corações inebriados de paixão. Talvez os dois personagens estivessem mesmo em busca de conforto temporário, de sexo, ou até mesmo de companhia passageira.
Durante todo o enredo, logo após o 1º encontro do casal, em um bar majoritariamente freqüentado por imigrantes árabes, fica perceptível a delicadeza e a emotividade tanto de Ali, quanto de Emmi. Ambos estão, necessariamente, num momento de fragilidade emocional. E é a partir desse envolvimento embrionário que se desenvolve uma estreitamento entre ambos.
O embrião é gestado no bar, após o refrigerante de Emmi e após a dança de Ali. O convite para a companhia até a sua casa é prontamente sugerido por Ali. O café é cortesia de Emmi. E é no amanhecer que percebe-se que a gestação da relação é concretizada.
Na verdade, Ali encontra, naquele momento, e naquela circunstância um colo, um conforto, uma proteção. Esse talvez, seja o ponto de maior ternura e simplicidade do melodrama.
Após um envolvimento mais presente e contínuo, e com vistas a tentar evitar um preconceito dos vizinhos e familiares, o casal, capitaneado por Emmi decide casar-se.
Esperavam que com tal formalidade, os preconceitos fossem cessar. No entanto, a força que os impulsionou até aquele matrimônio, não foi capaz de conduzi-los até a sua completa felicidade.
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