sábado, 9 de maio de 2009
"Convite à sofisticação" por Gianni Paula
Logo cedo se apercebe que o sofisticado não é para todos. Assim, para mim, nem sempre. Diante da obra de Paradjanov, o desconexo me ausenta e a belíssima imagem, conduzida em valsa lenta, me põe em lugar incômodo.
Explico. “A cor da romã”, realizado em 1968, conta a vida do poeta Sayat Nova e seus arredores valorativos, os ares da cultura armênia. Porém, se é do poeta a vida que consideramos, talvez outra abordagem seja digna. É isso que Sergei Paradjanov propõe, revelar o biográfico que se opera de dentro para fora: a imagem como compromisso supremo do sensório. É com muito esmero que cada quadro se apresenta: são as cores, as vestes, os gestos, a expressão: ou mais que isso, é a visão levada a sério.
Paleta de dourado, bronze, cobre, cores de terra, romã e vinho tingindo o cenário e os personagens que se posicionam em uma composição severa. Em outros termos, equilíbrio dos elementos dispostos. Além de igual comprometimento da movimentação: não existe desperdício de trejeitos ou desatenção do ator para com a ação. Se narrar como se ritual.
O filme evidencia a convergência dos suportes de artes, nele é notório um hibridismo com o técnico da pintura e o cênico teatral. “A cor da romã” inclui na sua proposta uma abdicação do diálogo, fazendo do silêncio, este recurso comunicativo polifônico e problemático, seu lugar expressivo. Paradjanov oferece um cinema essencialmente plástico, descortinado por uma câmera fixa que não necessariamente entedia, apenas desperta uma estranheza naqueles acostumados com um formato de cinema específico: de cortes, velocidade e venda.
Entretanto, “A cor da romã” é uma faca de dois gumes. Como dito, nem todo sempre, nem para todos é a sofisticação. Antes de tudo, ao filme muito respeito é merecido: sua complexidade visual centrada, maturidade de uma obra que tem consciência de si, seqüência de alegorias coerentes. E muita poesia e muita Armênia. Ao assistir esta obra é necessário alto grau de entrega: mergulho. É essa entrada sem precedentes que permite a fruição, a vertigem da plenitude estética que não cobra do filme explicações. Ocorre que, em grande parte do público, o filme vai instituir um vazio de sintonia, como se aquele desenrolar cultural que está disposto diante dos olhos do telespectador conduzisse a pessoa para um lugar extremamente confuso em termos conceituais: a abstração proposta pela beleza gera o desconforto naquele que não
consegue decodificar uma intenção que parece querer ser descoberta.
É esse aspecto um tanto anacrônico do filme, além das questões práticas de distribuição, que o torna impopular, mas também revolucionário. Quando lançado, ele gerou verdadeiro rebuliço na vida de seu diretor que foi perseguido, censurado e proibido de criar novos delírios. Primeiramente, porque Paradjanov tinha escolhido falar de uma cultura que não era vista com bons olhos; Depois, os dirigentes russos devem ter desaprovado a obra por não saber do que ela tratava, percebendo a incitação de alguma coisa que, assim como eu, eles não conseguiam entender. Será se? O que particularmente posso afirmar é que o filme me rendeu uma ambígua sensação de vazio e continuo sem saber qual é a cor da romã.
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Este comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluircaramba, Gianni, conseguir falar sobre esse filme é um primor!
ResponderExcluirparabéns!
esse filme é muito ozzy.
ResponderExcluircomo assim, matheus???
ResponderExcluirConcordo com Matheus (Como assim Davi?)
ResponderExcluir.
No mais, adorei o trecho "proibido de criar novos delírios".
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Acho incrível a maneria como você, Gianni, consegui repassar a sua pessoalidade, sem "afetar" muito o texto. Sem deixá-lo muito "só seu". Você consegue fazer com que o leitor compartilhe de suas impressões. é incrível!
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São límpidas demais suas construções. Invejáveis!
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E essa finalização: categórica.!
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Grande abraço,
DAVI LIRA
ODIEI O FILME: ADOREI A CRÍTICA!
ResponderExcluir.
davi lira