domingo, 7 de junho de 2009

"Visitação de si mesmo" por Anderson Paes Barretto



O Visitante (The Visitor, EUA, 2008) é a confirmação de que a simplicidade funciona, e muito bem, no cinema atual. Com roteiro despretensioso, o longa consegue “prender” o espectador, apesar do seu ritmo lento, em contraste com o cinema americano “pop” de hoje em dia, um cinema veloz, recortado e superficial. O Visitante é diferente, agradável, intimista e repleto de sentimentos. O título é uma ironia, afinal o “visitante” da história é, na verdade, o dono da casa. E assim nos perguntamos: é comum sentir-se estranho em sua própria casa a ponto de tornar-se visitante de si mesmo? E com isso, percebemos que existe algo mais de inesperado neste filme: o dono da casa, ao “visitar” seu antigo apartamento e encontrar desconhecidos morando no lá, subitamente decide abrigá-los e acaba, na verdade, sendo abrigado por eles.

O longa, mesmo sem fugir do modismo do cinema mundial de utilizar indivíduos de diferentes culturas numa mesma obra, acaba tornando-se bastante sensível ao não colocar o que é “diferente” como algo “exótico” – uma linha tênue e constantemente ultrapassada nas obras cinematográficas. Assim, o filme insere num mesmo mundo pessoas bastante distintas umas das outras, sem no entanto, criar rótulos ou representações limitadas. Muito pelo contrário, o destaque é dado àquilo que existe em comum, o que as une – a bondade e o desejo de tornar-se algo melhor do que se é.
Do drama existencial à solidão, da busca da liberdade ao “aprisionar-se”, diversas questões são levantadas na obra, escrita e dirigida por Thomas McCarthy, que abertamente critica os EUA e a sua política de imigração pós 11/09. Os “invasores” do apartamento são na verdade vítimas de um sistema que desmoronou junto com as torres gêmeas – o mito do sonho americano e a propaganda enganosa de que o país é o melhor lugar do mundo. Imigrantes ilegais, Tarek e Zainab, são os verdadeiros “visitantes” do apartamento do professor Walter (Richard Jenkins), um homem de meia-idade, nostálgico, desolado, viúvo e solitário, que só encontra um sentido na vida após conhecer o casal estrangeiro.

A crítica do roteirista-diretor, apesar de ser sutil, pela inevitável doçura do filme, é marcante e irônica, especialmente ao apontar o fato de haver nos EUA uma perseguição aos imigrantes e uma falta de critérios (ou mesmo de respeito) ao condenar ou deportar essas pessoas, vítimas de sua própria propaganda enganosa. A bandeira americana faz parte do cenário de muitas cenas, mas ao invés de ser mais uma manifestação cinematográfica patriota, funciona como sugestão de que é ali mesmo onde tudo isso acontece, no país dos sonhos, no “refúgio dos excluídos”.

O Visitante é um convite à solidariedade, através de uma discussão implícita sobre classes e raças, bem como identidades e origens, que aborda ainda temas como a diferença cultural e a possibilidade de aprender com tais diferenças. Nesse sentido, o longa fala também sobre convivência, preconceito e a capacidade, muitas vezes despercebida, de permitir-se aceitar o outro nem que para isso, mudemos nossa própria concepção de vida. O filme, além de tudo, brinca com o conceito de espaço, uma vez que relativiza essa questão, e assim, ao apresentar os personagens imigrantes, livres nas ruas dos EUA, mostra o quanto eles estão presos às questões políticas e econômicas do país. Ao mesmo tempo, e por outro lado, o filme mostra toda a liberdade interior que existe em cada um de nós – mesmo que estejamos encarcerados, muitas vezes, presidiários da nossa própria consciência, como é o caso do personagem principal, o professor Walter.

O protagonista, e fato de visitar o seu próprio apartamento, podem ser interpretados como uma metáfora muito maior – a possibilidade de um homem comum “dar de cara” com uma realidade palpável e desconhecida do seu próprio país, num aspecto (imigração) que o movimenta no sentido de, ao tentar mudar a vida do outro, transformar a própria vida. E assim, o diretor ao criticar politicamente o seu país, através dos discursos tanto dos estrangeiros quanto dos conterrâneos, sugere uma possível harmonia, proporcionada por uma convivência entre pessoas tão diferentes e ao mesmo tempo, tão iguais.

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