quarta-feira, 17 de junho de 2009
"Arca Russa" por Thaís Maioli
Para os que não conhecem um pouco da história russa ou não apresentam interesse por filmes que versem sobre a arte, Arca Russa, provavelmente, será considerado cansativo. Contudo, a produção de Aleksandr Sokúrov, ainda pode despertar a simpatia do expectador, através do mistério em torno dos personagens centrais ou da distinção dos seus figurinos.
Possivelmente, os expectadores questionarão por que em algumas cenas há atores trajando ao estilo do século XXI e outros parecem perdidos em vestes antigas. Por que alguns coadjuvantes conversam com o narrador materializado (Sergei Dontsov), e outros parecem não enxergá-lo ou não acharem estranho a sua presença ali? Ou ainda, por que a voz em off, o primeiro narrador, está perdido no tempo, sem saber as suas origens e o motivo de não ser descoberto pelos transeuntes? Essas foram algumas perguntas que me ocorreram quando assisti à Arca Russa. Dúvidas que me prenderam ao filme, permitindo que ele não fosse, para mim, algo tão maçante.
A princípio tentei encontrar explicações para a voz em off e para o personagem vestido de nobre, justificativas como: eles são fantasmas? Não. Devem ser lembranças, algo semelhante às Memórias póstumas de Brás Cuba, de Machado de Assis. Depois fiquei me perguntando se o possuidor da voz em off, iria aparecer em algum momento do filme, mesmo que fosse no final, para mostrar aos que assistiam que eles tinham perdido algum detalhe, alguma parte importante, para desvendar o mistério.
Além dessas indagações, algumas curiosidades sobre Arca Russa chamaram minha atenção. O cenário, por exemplo, o museu Hermitage, em São Petersburgo, é desbravado pelos narradores, em uma constante discussão sobre a unicidade das obras expostas. O primeiro narrador, cuja única referência é a sua voz, parece defender a originalidade dos feitos russos, sempre contestando as afirmações do segundo narrador, que se identifica como um diplomata do Congresso de Viena em 1815.
Ainda sobre os guias pelo passeio ao museu, achei que os dois apresentam objetivos diferentes. Ao passo que o segundo tentava encontrar respostas sobre a sua própria história e o motivo para estarem no museu, o primeiro estava engajado em desfrutar ao máximo a complexidade da arte que via, apenas em alguns momentos questionando coisas que lhe pareciam estranhas.
Em algumas cenas, por não deter de referências suficientes sobre a história da Rússia, comecei a achar o filme cansativo, embora a entrada de novos personagens na história quebrasse um pouco essa monotonia. Sempre tinha a esperança de que através da interpretação de um novo ator eu iria entender algo. Depois tive o conhecimento de que foram utilizados mais de três mil figurantes para compor o filme. O que explicava em parte a minha constante sensação de movimento no museu. Acho que essa impressão também foi reforçada pela troca de ambientes e pela movimentação da câmera. Descobri depois que foram exploradas 35 salas do Hermitage e que a película foi rodada em um plano-sequência único.
Ter sido gravada em um plano-sequência único, não foi um pioneirismo da Arca Russa, já que isso já havia sido feito por Hitchcock, em Festim Diabólico (1948). Lógico que a experiência de Aleksandr Sokúrov, em Arca Russa foi facilitada por um suporte digital ainda não disponível em 1948, mas pode-se dizer que o plano sequência único não é um recurso muito utilizado nas produções de longa-metragem. O que enaltece o teor de complexidade da obra de Sokúrov.
Distanciando-se das informações mais técnicas, e retornando ao enredo do filme, uma das cenas que mais me impressionaram foi a do baile. Acho que é nela, que os diálogos mais expressivos são alcançados. Embora todas as outras cenas nos dessem pistas sobre os personagens e sobre a movimentação no museu, é na cena do baile que a nostalgia e a insegurança do futuro são reproduzidas mais veladamente. Ao fim da dança, o narrador em off conversa com o diplomata sobre o próximo destino dos dois, e o segundo narrador pergunta para onde? O amigo responde: Adiante. E ele por fim diz: O que encontraremos lá? Com esta cena é sintetizado todo saudosismo construído pela história do filme e explicitado o temor proveniente da incerteza do futuro.
Por fim compreendi que a chatice do inicio foi importante para que eu apreciasse o baile final. Talvez não fosse ela, eu não daria tanta significância ou não me esforçaria para encontrar a simbologia que o filme tentava passar.
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