segunda-feira, 22 de junho de 2009

"O incômodo e suas variantes" por Davi Lira de Melo


O incômodo gera desconforto. Ânsia. Promove mudanças. Pode revigorar. Algumas vezes é capaz de transformar. Gera um novo ambiente. A maioria das vezes com um certo peso. Com um esfera densa. Igualmente penosa. Pode ser ocasionado por grandes questões. Ou simplesmente surgir do nada. Do pequeno acaso. Em algumas situações é e sempre foi bem visível. Palpável. Observado sem grandes esforços. Ele, por vezes, pode ter sido combatido, em alguns momentos. Mas jamais vencido em definitivo. A mínima presença pós-combate o faz revigorar com força maior. Aí ele torna-se mais profundo, mais desconfortável. Enfadonho. A batalha final exige superação. A vitória prolongada acalma a alma. Os pensamentos tornam-se mais amenos. Menos preocupados. A vitalidade e a essência da vida reaparecem. O motivo do riso se justifica. Isso quando já é sabido o motivo de sua geração. Quando não, torna-se um ímpeto combatê-lo. O seu aparecimento sem permissão é estranho. Pouco claro. Mas igualmente devastador em seus efeitos. Proporcionalmente danoso ao equilíbrio. Extremamente sagaz em seus propósitos.

O grande objetivo do incômodo é gerar conseqüências. Através da inquietação surge um movimento. Movimento de vida. Ou de ressurreição. Existem pessoas que vegetam. Outras sobrevivem. Algumas poucas, de fato, vivem. A vida gera uma sucessão de incômodos. Dúvidas quanto ao seu propósito, função e prerrogativas, inevitavelmente, contribuem para geração de mais inconvenientes.

A própria natureza das pessoas já facilita a incomodação. A eterna busca pelo inatingível, ou pelo, ainda, não alcançável gera desconfortos. Isso, num plano mais amplo. Generalizante.

De forma pragmática a vida é um incômodo, por si só. E para esse tipo de vida. Sempre incômoda. É possível destacar uma série de causas. Problemas explícitos. Com pouco espaço de discordância. Certa limitação de desacordo. Para aqueles que não possuem o mínimo. O incômodo assume outro nível. Eleva-se a outro grau. Corporifica-se. E ganha mais relevo ao infortúnio banal. Egoísta. Para as pessoas carentes de necessidades básicas, de esperança e de prosperidade, a comodidade não pode ganhar força. Ela tem e deve ser combatida. Os incômodos, por mais fortes que sejam, devem suscitar uma disposição por melhoria. Essa é a busca enfrentada pela personagem africana. Dona de vários incômodos. Incomodada por uma vida fadada à miséria.

Destinada à limitação. Da África para a Bélgica ela emigra. É na Europa. Mesmo na parte pobre do velho continente ela vislumbra um sonho de grandeza. Grandeza em seus horizontes. É lá que busca vida. Dignidade. É lá que tenta subsistir. Promover um outro destino para si, e para sua família. Antes repartida em dois continentes.
Emigração e a desagregação familiar são os pontos de partida e o eixo central de “A promessa”. É através do registro de câmera cuidadoso e provocante que os irmãos Dardenne buscam retratar uma realidade hostil. Verdadeira, mais igualmente adversa. É a partir desse registro que o cinema socialmente impactante, desses irmãos, começa a surgir. Sacrifícios, violência psicológica e exploração humana passam pela câmera de uma forma ágil. Incômoda. É num primeiro plano que esse social fica duro. É com ausências de trilhas que a movimentação fica mais épica. O som ambiente deforma. Deforma as obviedades. Transpassa sinceridade no registro.

É com o rito de crescimento de um jovem loiro, belga, que surge a justificativa do título. Inicialmente como mais uma peça de encaixe de um jogo de opressão, o garoto subleva-se quando confrontado por uma situação limite. Uma promessa faz gerar uma série de incômodos. É com um pedido que questionamentos de sua conduta começam a ganhar espaço em sua consciência. Antes pueril e desconectada. É a partir dessa promessa que o belga se une à africana. É desse envolvimento que ambos buscam atacar seus incômodos. Pena carregarem diferentes estorvos

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