segunda-feira, 22 de junho de 2009

"Aconteceu naquela noite" por Lucas de Azevedo Campelo


Frank Capra inaugurou com "Aconteceu naquela noite" um gênero da comédia que revolucionou o cinema dos anos 30, chamado "screwball comedy". Trata-se de comédias cujo a temática é absurda, com diálogos rápidos que mantém uma cadência veloz de piadas ligeiras e desfechos criativos. O campo mórfico criado por esse gênero reflete em muitos filmes atuais, como é o caso brasileiro do diretor Guel Arraes ("O auto da compadecida", "Lisbela e o prisioneiro"), que abusa da velocidade dos diálogos.

O roteiro narra a história de uma moça da alta classe burguesa que foge do pai para se casar com um fútil playboy. Ela acaba se perdendo no meio do caminho e encontra um jornalista que à ajuda para poder ganhar uma história pro seu jornal. Os dois partem numa viagem para Nova York cheia de percalços, dificuldades de todo tipo, e acabam se conhecendo melhor no meio do caminho.

Algo que pula logo aos olhos do espectador é a velocidade que o filme desenvolve, apesar da época em que está inserido. A produção cinematográfica do período se sustentava em sua maioria nas anedotas físicas, características do gênero pastelão, que nasceu no Teatro de Vaudevile e passou ao cinema. O cinema ainda estava se acostumando a extinção do cinema mudo. "Aconteceu naquela noite" vai de encontro a essa corrente e possui falas tendenciosas, sequências ao ar livre (o cinema mudo costumava ter cenários não muito realistas), e uma naturalidade difícil de ver no cinema da época.

Além de uma comédia romântica, o filme demonstra os reflexos dos problemas econômicos enfrentados pelos Estados Unidos naqueles tempos, após a queda da bolsa de valores. Na cena que os protagonistas se cruzam pela primeira vez, há um verdadeiro ecossistema social, que inclui desde uma mãe desesperada passando fome, até o jornalista cínico que é interpretado por Clark Gable, cuja atuação mereceu Oscar, e a menina mimada e egocêntrica que aprende a viver os prazeres da vida de um nicho social diferente, representado, por sua vez, por Claudette Colbert. Cena que mostra isso com clareza é a cena que ela tem que dormir em um monte de palha e comer cenoura pra continuar sua viagem. Para suavizar o tema pesado que há nessa vertigem de valores, Capra se usa da guerra dos sexos como tema, mostrando personagens que tentam a hora toda se mostrarem independentes entre si, de modo que o público de identifique com a trama. Esse tema clichê fez com que o filme na época fosse desacreditado como produção que fosse render, tendo grandes problemas para realizar-se (Como por exemplo, o papel feminino principal, onde Claudette era a última opção de Capra, após de recusa de mais de quatro diferentes atrizes).

Há cenas que ficaram na memória do cinema, como a que a saia de Claudette é mais eficiente para pedir carona que o jogo de polegar de Clark Gable. Ou então a cena final, onde o casal não é exibido e a interpretação do que eles fazem fica a cargo de metáforas como "som das trombetas" e "queda das Muralhas de Jericó". Tudo isso mostra que, apesar de ter um roteiro aparentemente démodé, Capra consegue transformar esse plano de transcendência em imanência, surpreendendo e sofisticando. "Aconteceu naquela noite" não só rende boas risadas, mas dá também uma sensação de bem estar, e uma lição de como uma parte importante do cinema nasceu. Clássico absoluto, vencedor das cinco principais categorias do Oscar (mérito inédito na época e alcançado novamente apenas por "Um estranho no ninho" e "O silêncio dos inocentes"), "Aconteceu naquela noite" é lição de como se fazer uma boa comédia.

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