segunda-feira, 8 de junho de 2009
"Daunbailó" por Nathalia Pereira
Uma vez, li pelas linhas de Nelson Rodrigues que as grandes convivências estão a um milímetro do tédio. Achei que era algo a se considerar, mas raramente notei tanto cabimento nesse juízo como quando assisti “Down by law” – ou “Daunbailó”, como o título do filme foi maravilhosamente adaptado aqui no Brasil. Antes dele, o cineasta Jim Jarmusch tinha estreado sua lista de longas pouco hollyoodianos com “Estranhos no paraíso”. Daí pra frente, ficou conhecido por pintar fulanos que vivem sem cerimônias, longe dos alardes de qualquer norte-americano dinheirudo, são pessoas sem importância coletiva, apenas indivíduos, como Antoine Roquentin em “A náusea”.
Por ter como força, a representação do comum, Jarmusch dispensa a vaidade quando diz que rouba, mesmo, inspiração de qualquer troço que lhe toque a alma, aí depois cita Godard, quando relembra que não importa de onde você pega as coisas, mas sim para onde você as leva. Bastante típico dele parafrasear o diretor francês, já que muita coisa do cinema de Godard, e num sentido mais amplo, dos princípios da nouvelle-vague, é remontada em suas composições. E a gente não precisa ir além de “Daunbailó” para apontar semelhanças, nele, também, tudo o que é essencial nasce do corriqueiro, dos nossos momentos mais freqüentes, em que achamos que nada de importante pode acontecer. E acontece.
O filme é aparentemente despretensioso e não levanta nenhum cartaz, pelo menos não descaradamente, o que dá pra sentir é a agonia monótona de cada personagem por liberdade. Vemos a angústia estampada na cara dos parecidíssimos - por isso, antagonistas – Zack(Tom Waits) e Jack(John Lurie), que desde o início cantam resmungos que se repetem, mas logo silenciam pela falta de esperança. Parece que estão atados por uma pesada falta de coragem ou por uma lombra imobilizante. Quando só estão os dois em foco, além de preto e branco, o filme fica descolorido, também meio insípido, como se a gente fosse paralizado pela moleza dos personagens.
Por pura inocência, a dupla de errantes acaba dentro de uma prisão no meio de um pântano, o cotidiano deles não muda muito, já que meio presos eles já estavam. Só que, para quebrar o marasmo dominante até então, chega o divisor de águas do filme, aquele que seria a grande fonte de esperança traduzida num italianinho franzino que mal sabia falar inglês. O importante mesmo é que ele sabia que o mundo é bonito, ainda que triste.
Roberto Benigni, que realmente pouco sabia de inglês, é quem interpreta Bob, e se junta a Zack e Jack – ou Jack e Zack, difícil dizer - para transformar o tédio de “Daunbaló” em poesia. Poesia que ele tira até mesmo do concreto de uma parede, quando desenha com giz e traços infantis uma janela na prisão, ou quando, numa piada intraduzível, implora por sorvete. Não é coisa de criança, não, é um forte grito de esperança que contagia todo o presídio e deixa os policiais atordoados. Finalmente, não é mais Bob o único que se permite sonhar.
O otimismo vai tomando seu lugar no filme e, como recompensa, os três rapazes conseguem escapar da cadeia, não vemos o plano de fuga do italiano ser posto em prática, seria mirabolante demais para Jarmusch. O que importa é a conseqüência da fuga, como importa a amizade entre Zack, jack e Bob, que começa a ser ensaiada, mesmo que entre tropeços. E tudo isso embalado pela excelente trilha sonora, criada pelos próprios Waits e Lurie e com direito a participação de Naná Vasconcelos.
O fato agora é que o trio está preso em um pântano e todas as enrascadas que se metem por causa disso tornam-se um convite para cenas dignas de “Os três patetas.” É cômico acompanhar a ótima química entre os atores, que fazem seus personagens seguirem desengonçados, andando em círculos a procura de um caminho. Mas, pelo menos, procuravam um caminho e não estavam mais apáticos como antes.
É com a descontração que o filme vai passando que o espectador é constantemente lembrado que o tédio continua ali. Por mais que aconteçam coisas novas, a coragem sempre é abalada por algo, como quando os três se alegram com uma choupana encontrada no meio do nada e, ao entrar nela, percebem a desconfortável semelhança com a cela que os prendiam até então, a única diferença era uma janela ali do lado.
Como o atrapalhado Bob era certamente o mais esperto dos três, ganha um final digno, em essência, de filme hollywoodiano. Assim, do nada, conhece uma italiana (esposa se Benigni na vida real), que logo convida para dançar, então o final feliz fica garantido. Já Zack e Jack, seguem caminhos opostos, e, mesmo sem saber quem estava indo para o leste ou para o oeste, ficamos na esperança de que não tenham tomado a estrada de volta para o marasmo inicial.
Para Jarmusch, a idéia do filme é mostrar a beleza das possibilidades, que não há apenas uma forma de olhar para a vida. Podem-se ter sempre diferentes perspectivas. Sendo assim, a cena final não poderia ter sido mais formidável do que duas estradas separando dois homens, que até então, seguiam o mesmo caminho.
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