domingo, 7 de junho de 2009

"Orgulho de amor despedaçado" por Nathalia Pereira




Encarando os rumos musicais que Bernard Summer, Peter Hook e Stephen Morris tomaram em suas carreiras, o tempo – mesmo se foi pouco – que passaram encorpando o Joy Division foi provavelmente o mais cinzento. Não que não fosse divertido, como os clipes e arranjos eletrônicos da consecutiva New Order, mas aparentava ser tudo muito carregado, era living in the ice age, mas aproveitando a vantagem de ter 20 e poucos anos nos 70’s. Dessa forma, a ânsia dançava suavemente drogada, no compasso epiléptico de Ian Curtis, “o poeta dos desesperados” e líder de toda aquela angústia geralmente associada à banda de Manchester.

Pelo menos uns seis anos na vida de Ian a gente contempla no primeiro filme do fotógrafo Antoin Corbjin, “Control”, de 2007. Eu acredito que se absorvam mais todas aquelas cenas - que não podiam deixar de ser em preto e branco – proporcionalmente ao envolvimento individual prévio com a trajetória da banda e com o cenário musical em que ela está envolta. Não que a história não cative os mais alheios, até porque, a estrutura convencional com que ela é contada favorece o alcance de um público mais amplo. Diferente de algumas outras cinebiografias, que usaram um olhar inovador sobre seus ícones, assim como foram percebidos, Virgínia Woolf e Kurt Cobain, em As Horas e Last Days, respectivamente.

Corbjin é fotógrafo renomado – daí vem a composição de cena tão bonita em Control - e especialista em retratar o rock, a própria Joy Division já tinha recebido seus serviços, enquanto mantinha o ar blasé e se recusava a apertar sua mão. Em uma entrevista ele contou que a escolha do preto e branco era a mais prudente, afinal, tudo o que lembramos da banda britânica é mais ou menos em preto e branco, até mesmo o que se lê sobre ela é em preto e branco. Tem razão.

A escolha do elenco foi muito boa, pra destacar alguém: Sam Riley. O ator interpreta impecavelmente com o corpo e com a essência a alma de artista moribundo que Ian Curtis carregava por anos 70 a fora. Riley já tinha incorporado o espírito da Manchester naquela época quando, em 2002, fez o papel de Mark Smith (vocalista do The fall) em A festa nunca termina, filme que mostra o cotidiano enlouquecido de todos em volta da Factory records, selo criado por Tony Wilson, mentor do Joy division. Em Control, não só Riley canta com sua própria voz os lamentos de Ian, como todos os atores que encenam os músicos da banda aprenderam a tocar seus simples acordes, não há playback e a cópia da dancinha inconfundível do vocalista é idêntica.

Por ser adaptação de Carícias distantes - a biografia de Ian composta por sua viúva, Deborah Curtis - o filme não é lá muito montado sob o ponto de vista do artista, e sim da pobre mulher comum casada com um rockstar introspectivo e infiel. O melodrama não cai muito bem e as melhores cenas mesmo são as que o músico está sozinho com suas evagações. Na verdade, ele foi sempre muito solitário, meio alheio a tudo, como se tivesse vantagem secreta sobre os outros, sendo que de tão secreta que era também desvantagem. Aí ele tenta se apaixonar, como se essa sensação pudesse fazê-lo sentir os prazeres de um homem comum e o deixasse colocar pra fora as coisas que o corroíam. Seu amor, segundo o filme, é dado primeiro a Debbie e depois a Annik, sua amante belga, só que não parecia muito amor, parecia mais um esforço. Para a esposa, conta ter sido composta Love will tear us apart, uma das canções mais famosas de Ian, que fala sobre a rotina que pesava sobre o casamento e a falta de ambição de Debbie, amante da Manchester fria e cinzenta que desesperava seu venerado marido.

O falecido Tony Wilson costumava aconselhar que entre a verdade e a lenda, se escolhesse a melhor história, Corbijin aceita a sugestão e sugere no filme que She’s lost control foi escrita, como diz a história, para uma cliente epilética que Ian teria visto em crise no seu antigo emprego de engravatado. Além de vermos o próprio Tony Wilson assinando o contrato da banda com o sangue, em meio a caretas exageradas, também flagramos os integrantes do Joy division entrando em êxtase no que teria sido “O show” da história do rock - Sex pistols no Lesser Free Trade Hall, em Manchester – e saindo de lá enlouquecidos para formar o Warsaw – embrião do Joy Division. Também, a história de que Ian Curtis teria se enforcado depois de assistir, Stroszek, de Werner Herzog e escutado o disco The idot, de Iggy Pop é reafirmada no filme seguida da belíssima Atmosphere, do Joy Division.

Todas as especulações e referências em Control são muito válidas, além do testemunho da parte da vida de Ian Curtis, em que ele não conseguia mais controlar todas as confusões por dentro e por fora, assim como eram incontroláveis suas crises de ausência, ocasionadas pela epilepsia e pela mistura de tantos remédios com álcool. Vale pela trilha sonora - que inclui David Bowie, New Order, the Killers e claro, Joy Division – misturada com os tensos e longos momentos de silêncio da trama e pela menção ao poeta John Cooper Clarke, assegurando a qualidade do filme. Vale pela nostalgia - até do que não vivemos - sempre despertada pelos anos 70 e pelo o que Natalie Curtis, filha de Ian destacou antes da estréia do filme no festival de Cannes: “Não importa como será a recepção do filme, aquelas canções me lembram que o mais importante é – e sempre será – a música”.

Um comentário:

  1. Simplesmente fantástica sua critica ao filme.Sou fã de Joy Division e eterno admirador de Ian Curts,e o filme nos mostra em pleno ,mesmo que sob a perspectiva de Dabie Curts o quão talentoso e atormentado Curts era,e realmente o filme deveria ser assistido não só por admiradores do Joy Division,mas sim para quem busca uma obra de arte com excelente fotografia!Mais uma vez parabenizo sua critica ao filme,abraços.

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