segunda-feira, 8 de junho de 2009
"AMORROMÃ" Por Yuri Nascimento e Assis
Quando começa o filme, é natural ao olho buscar uma semelhança e então pautar-se, num ajuste de ótica. Mas aí então há um desafio: se pinta a novidade, é preciso inventar um parâmetro a partir de si. Se surge a paixão, esforçar-se é recompensa. Eis aí a primeira vista. Na batalha sem vencedor, ganha o primeiro que se render.
Em 1968, Sergei Parajanov, então imerso em signos armênios em função da criação de seu último documentário, inventou uma cor para romã. Decidiu, primeiro, que não faria história: o filme inteiro dar-se-ia a contar o avesso lado de dentro do poeta Sayat-Nova. Para tal, Parajanov utilizou diversos poemas do dito cujo e prezou por sua interpretação da obra do poeta.
Depois, requereu uma linguagem (a)típica de sonhos, acordando, sem parcimônia, imagens dizendo. Iluminou seu cenário de cores envelhecidas, como o bordô, o dourado e o marrom, para constituir uma aura medieval em torno do também ashik (espécie de trovador típico do Leste Europeu) poeta. Retorceu e rejuntou formas que se encurvavam diante do bronze metal. Ainda, evocou máscaras de ferro, castelos, reis, princesas, mosteiros, santos, arte bizantina: na plural procissão de igreja.
Postos a cena e o assunto, Parajanov coloca os atores em dança hipnótica e a partir daí é que surge sua poesia vinda da poesia de Nova. Produz, então, movimentos. Tudo começa aos poucos a rastejar e ora fica pendulando para garantir a entrega, intrigando. Para não fazer barulho, liga música que acompanha – e o olho se empapuça diante de tanta coisa a ser dita – sentida – pressentida – acima de tudo adivinhada. É um filme de intuições.
Parajanov pretende conduzir o espectador a uma solidão de quarto vazio. O longa-metragem atiça feito serpente para que o sozinho no caminho comece a dialogar. O mais puro sentir jorrando. Assim a romã vai se colorindo e ultrapassa a poesia Parajanov-Nova: agora quem poeta é o você-eremita vendo. Como que alquimia.
“A Cor da Romã” prima por uma narrativa nada convencional. Se outros filmes que também têm em si tal característica reutilizam (em outras direções, claro) recursos comuns a qualquer filminho de grande bilheteria – incluindo nessa categoria as comédias românticas, os filmes de drama e ação altamente divulgados no mercado contemporâneo – a película de Parajanov se destitui completamente de um elemento essencial: o diálogo.
O sentido não vaga nas sentenças: tudo fica recluso em silêncio até o último segundo de filme. O que se destaca é o mise-en-scène: este, sim, repleto de significado – e a intensa interação dos atores com o fundo profundo por detrás, formando assim o tableau vivant. O diretor funda dessa forma uma mitologia transcendental que se torna a peculiaridade de “A Cor da Romã”. Como se de repente toda mera retratação fosse uma conversa interminável com a paixão de olho.
Para se entender a cor da romã é necessário acima de tudo amor. Assim que o filme consegue capturar o espectador, em processo de paixão, o trabalho está feito. Todo esforço comunicativo ali presente transforma-se em romãs em ponto certo de satisfação.
Quem come a romã no inferno de Hades passa a pertencer: e não dá para voltar atrás – e não se é para voltar atrás. Romã é fruta que se rói até o caroço. E finalmente tendo a semente reluzindo em mãos: troféu que se rende ao perdedor.
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Perfeito! Não sabia se estava lendo a resenha de um filme ou uma obra à parte. O cuidado deve ser tomado pelo criador quando resenhar os filmes mais desprovidos de arte: contradição.
ResponderExcluiracho ótimo que meu texto tá entre dois bem despojados escritos por matheus, rs
ResponderExcluirÉ o que eu mais gosto desse blog, essas grandes diferenças entre um texto e outro, e, sobretudo, entre um filme e outro.
ResponderExcluirYuri gostei bastante da abertura! Bem legal.
ResponderExcluir.
DAVI LIRA