quarta-feira, 10 de junho de 2009

"Descobridor dos Sete Mares" por Rafael Monteiro Sotero de Melo


A Screwball Comedy é um daqueles gêneros do cinema bem voltado para as massas, certo? Claro, que tipo de cinema não é voltado para o público? Provavelmente, apenas películas experimentalistas francesas (ou de lugares ainda mais bizarros), que nem seus próprios autores conseguem entender, não são voltadas para o público. Mas os deixemos de lado; é melhor nem lembrar que eles existem. Aliás, esse esquecimento é bem real quando há a oportunidade de ver uma comédia leve e romântica. Talvez devesse chamá-la de Screwball Comedy, mas que diferença isso faz? Esse termo nem existia quando o filme foi exibido no longínquo 1934.

Nele somos apresentados a Ellie Andrews. Uma riquinha muito odiosa que casou por capricho e foi seqüestrada pelo próprio pai, um banqueiro caricato, para que não pudesse consumar o casamento. A jovem consegue fugir do barco nadando (sim, ela consegue nadar mais rápido que um barco remado por pelo menos quatro pessoas). Hoje com o alto nível dos esportes olímpicos, essa marca pode ser até desinteressante, mas na época sem dúvida era um recorde.

O problema em ser uma riquinha odiosa é que não se sabe como conter seus gastos para chegar do outro lado do país. É incrível, mas às vezes o dinheiro pode ser limitado. Vale lembrar que é justamente esse dinheiro limitado que acaba unindo Ellie a Peter Warne, um jornalista bêbado recém-demitido com um certo faro de notícias. Que outra situação uniria esses dois? Vale ressaltar que não é uma situação nada fácil atravessar o país de ônibus, sem dinheiro e sendo perseguido pelos mesmos detetives que procuraram o elefante branco de Mark Twain.

É engraçado notar que bastou o Peter, interpretado por Clark Gable, só precisou falar grosso e mostra a estúpida Ellie, interpretada por Claudette Colbert, para colocá-la nos eixos. Claro que tudo fazia parte de um plano para que o jornalista voltasse por cima. Como é comum desde que o cinema se entende por cinema, essas viagens e as difíceis situações que elas nos apresentam sempre aproximam os protagonistas (a diferença é que aqui isso ainda pode ser considerado uma, hã, novidade). Até o ponto no qual eles percebem o que finalmente sentem um pelo outro.
Dá até para dizer que atingimos o clímax. Até somos auxiliados por uma metáfora com a muralha de Jericó representando uma, hã, intimidade maior entre os dois. Mas finalmente quando chegamos à noite onde deve finalmente acontecer algo, nada acontece. Sim, estamos nos anos 30 e este não é um período bom para liberalidades. Clark Gable deixa de ser um sobrevivente (e até malandro de certa forma) e vira um gentleman respeitador dos bons e velhos costumes. Nenhuma trombeta derrubaria aquelas muralhas sem a vontade do bom e muito velho Senhor.

No momento mais incompreensível do filme, o gentleman decide sair de um hotel para conseguir dinheiro suficiente para que o par romântico saísse por ai. Aparentemente, era fácil sair de madrugada, viajar 20 quilômetros numa lata velha, escrever uma matéria de capa imensa e voltar antes que sua amada sequer acorde. Isso causa o desencontro que na narrativa só serve para reafirmar o amor que cada um sente pelo outro (e ganhar mais tempo com isso).

Nesse meio termo, descobrimos que o banqueiro caricato estivera sempre certo a respeito do genro: não valia nada. Talvez por isso o encontro do banqueiro caricato com o gentleman ferido tenha produzido tal efeito. O banqueiro se encanta com o fato de Peter só desejar ser ressarcido pelo que gastou enquanto levava Ellie para os braços do noivo. Ora, que sogro não ficaria feliz de ter um genro assim mesmo que ele não tivesse mais nada além disso?

É interessante notar que só depois da fuga de Ellie, dessa vez auxiliada pelo próprio pai, que finalmente aquela noite vai acontecer. Soam as trombetas e, dessa vez, o Senhor os permitiu consumar aquilo que bem se sabe (ou não, dependendo de sua faixa etária).

Apesar de ter uma seqüência inocente se comparada com muitos filmes de hoje, é realmente divertido observar como duas pessoas conseguem atravessar o país com pouco menos de 100 dólares no bolso. É verdade que alguns mochileiros fazem isso por prazer, mas convenhamos, hoje é bem mais fácil viajar. Isso para não dizer que é muito mais seguro.

Outro ponto curioso é como a produção quer mostrar sua força e sua glória (além de sua capacidade de gastar dinheiro). Vemos navios, barcos, ônibus, trem, carros, vans, aviões e até um autogiro (que me pareceu o veículo mais inseguro do filme). Nada disso era realmente necessário, mas que filmes poderiam fazer isso em 1934? Aliás, há uma passagem curiosa onde o banqueiro caricato está viajando de avião e manda o piloto acelerar. Avião não é exatamente o tipo de veículo que se mande acelerar, principalmente em 1934.

No mais, há que se admitir que Aconteceu Naquela Noite é um filme feliz. Porque mesmo quando não há nada para comer e nem onde dormir, ainda há um ar de aventura que envolve Peter e Ellie. A motivação inicial é promover o reencontro de Ellie com seu noivo, mas logo esquecemos disso. Começamos a pensar: “será que eles vão conseguir chegar?” Pode não ser exatamente uma travessia do Atlântico em um pedaço de pau talhado flutuante, mas as viagens difíceis como essa nunca vão deixar de empolgar. Principalmente, quando no final da noite muralhas vão ruir.

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