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domingo, 21 de junho de 2009

"A cor de quê?" por Rafael Monteiro Sotero de Melo


Aqui estou só para ser malvado. Em minha defesa evoco que tudo pode ser revisto dependendo do ponto de vista. Se estou sendo malvado, é porque Sergei Paradjanov começou. Para começar de forma simpática, o diretor me lembrou exatamente tudo aquilo que detesto em poesia: aquele afastamento do real e daquilo que é facilmente compreensível. Claro que quando há um propósito nisto tudo perdoamos rapidamente o poeta. Mas é possível perdoar Paradjanov? Talvez em outra vida, sou rancoroso.

A obra contaria a história de um trovador armênio conhecido como Sayat-Nova, que numa tradução roubada de alguém significaria “o Rei das Canções”. Digo “contaria” porque a narrativa é algo nulo aqui. Na verdade, recuso-me de considerar a obra um filme. Até nos tempos do cinema mudo de Eisenstein, a narrativa sempre foi algo fundamental ao cinema. Sempre é necessário contar/mostrar algo. A cor da Romã até mostra algo, mas não de forma cinematográfica.

É uma obra mais próxima da linguagem do teatro e das apresentações de slide que do cinema. E não falo só para causar choque. A suposta narrativa da vida deste poeta senhor das canções estaria contada em capítulos onde vemos uma seqüência de imagens talvez até signifique algo para os armênios, mas não significam realmente muita coisa para pessoas normais. E digo isso com todo o preconceito do mundo.

Aparentemente é preciso imaginar a narrativa de alguma forma. Pensar que se aquela legenda fala da infância, então aquela criança deve ser o poeta. Se fala de juventude, aquela mulher deve ser o poeta. Se fala de velhice, aquele barbudo é o poeta. Mas realmente fica difícil imaginar porque diabos aparece um grupo de homens comendo a indigesta casca de romã.

Esgotado o ódio, ainda sobra espaço para admirar uma coisa ou duas do filme. Ele tem um dos méritos das apresentações de slides, principalmente aquela que vêm sob a forma de correntes por email: é bonito. As cores são limpas e os ângulos sugerem uma noção estranha de profundidade. Muitas vezes até parece uma pintura em movimento. No entanto, como a beleza de uma paisagem, essas imagens acabam sendo somente belas. Você admira, tenta pensar no que significa, mas logo tem que ver outra imagem bonita que vai te obrigar a pensar novamente e assim por diante. É como seguir numa estrada onde belas vistas vêm e vão sem que realmente signifiquem nada para você.

Assim o espectador não está tentado a sentir algo pelo filme, a não ser cansaço. Beleza pode ser até fundamental, mas quem casaria com uma escultura? Se for surrealista, pior ainda. E no fim continuo sem saber nada sobre o poeta e sobre a Armênia.

quarta-feira, 10 de junho de 2009

"Descobridor dos Sete Mares" por Rafael Monteiro Sotero de Melo


A Screwball Comedy é um daqueles gêneros do cinema bem voltado para as massas, certo? Claro, que tipo de cinema não é voltado para o público? Provavelmente, apenas películas experimentalistas francesas (ou de lugares ainda mais bizarros), que nem seus próprios autores conseguem entender, não são voltadas para o público. Mas os deixemos de lado; é melhor nem lembrar que eles existem. Aliás, esse esquecimento é bem real quando há a oportunidade de ver uma comédia leve e romântica. Talvez devesse chamá-la de Screwball Comedy, mas que diferença isso faz? Esse termo nem existia quando o filme foi exibido no longínquo 1934.

Nele somos apresentados a Ellie Andrews. Uma riquinha muito odiosa que casou por capricho e foi seqüestrada pelo próprio pai, um banqueiro caricato, para que não pudesse consumar o casamento. A jovem consegue fugir do barco nadando (sim, ela consegue nadar mais rápido que um barco remado por pelo menos quatro pessoas). Hoje com o alto nível dos esportes olímpicos, essa marca pode ser até desinteressante, mas na época sem dúvida era um recorde.

O problema em ser uma riquinha odiosa é que não se sabe como conter seus gastos para chegar do outro lado do país. É incrível, mas às vezes o dinheiro pode ser limitado. Vale lembrar que é justamente esse dinheiro limitado que acaba unindo Ellie a Peter Warne, um jornalista bêbado recém-demitido com um certo faro de notícias. Que outra situação uniria esses dois? Vale ressaltar que não é uma situação nada fácil atravessar o país de ônibus, sem dinheiro e sendo perseguido pelos mesmos detetives que procuraram o elefante branco de Mark Twain.

É engraçado notar que bastou o Peter, interpretado por Clark Gable, só precisou falar grosso e mostra a estúpida Ellie, interpretada por Claudette Colbert, para colocá-la nos eixos. Claro que tudo fazia parte de um plano para que o jornalista voltasse por cima. Como é comum desde que o cinema se entende por cinema, essas viagens e as difíceis situações que elas nos apresentam sempre aproximam os protagonistas (a diferença é que aqui isso ainda pode ser considerado uma, hã, novidade). Até o ponto no qual eles percebem o que finalmente sentem um pelo outro.
Dá até para dizer que atingimos o clímax. Até somos auxiliados por uma metáfora com a muralha de Jericó representando uma, hã, intimidade maior entre os dois. Mas finalmente quando chegamos à noite onde deve finalmente acontecer algo, nada acontece. Sim, estamos nos anos 30 e este não é um período bom para liberalidades. Clark Gable deixa de ser um sobrevivente (e até malandro de certa forma) e vira um gentleman respeitador dos bons e velhos costumes. Nenhuma trombeta derrubaria aquelas muralhas sem a vontade do bom e muito velho Senhor.

No momento mais incompreensível do filme, o gentleman decide sair de um hotel para conseguir dinheiro suficiente para que o par romântico saísse por ai. Aparentemente, era fácil sair de madrugada, viajar 20 quilômetros numa lata velha, escrever uma matéria de capa imensa e voltar antes que sua amada sequer acorde. Isso causa o desencontro que na narrativa só serve para reafirmar o amor que cada um sente pelo outro (e ganhar mais tempo com isso).

Nesse meio termo, descobrimos que o banqueiro caricato estivera sempre certo a respeito do genro: não valia nada. Talvez por isso o encontro do banqueiro caricato com o gentleman ferido tenha produzido tal efeito. O banqueiro se encanta com o fato de Peter só desejar ser ressarcido pelo que gastou enquanto levava Ellie para os braços do noivo. Ora, que sogro não ficaria feliz de ter um genro assim mesmo que ele não tivesse mais nada além disso?

É interessante notar que só depois da fuga de Ellie, dessa vez auxiliada pelo próprio pai, que finalmente aquela noite vai acontecer. Soam as trombetas e, dessa vez, o Senhor os permitiu consumar aquilo que bem se sabe (ou não, dependendo de sua faixa etária).

Apesar de ter uma seqüência inocente se comparada com muitos filmes de hoje, é realmente divertido observar como duas pessoas conseguem atravessar o país com pouco menos de 100 dólares no bolso. É verdade que alguns mochileiros fazem isso por prazer, mas convenhamos, hoje é bem mais fácil viajar. Isso para não dizer que é muito mais seguro.

Outro ponto curioso é como a produção quer mostrar sua força e sua glória (além de sua capacidade de gastar dinheiro). Vemos navios, barcos, ônibus, trem, carros, vans, aviões e até um autogiro (que me pareceu o veículo mais inseguro do filme). Nada disso era realmente necessário, mas que filmes poderiam fazer isso em 1934? Aliás, há uma passagem curiosa onde o banqueiro caricato está viajando de avião e manda o piloto acelerar. Avião não é exatamente o tipo de veículo que se mande acelerar, principalmente em 1934.

No mais, há que se admitir que Aconteceu Naquela Noite é um filme feliz. Porque mesmo quando não há nada para comer e nem onde dormir, ainda há um ar de aventura que envolve Peter e Ellie. A motivação inicial é promover o reencontro de Ellie com seu noivo, mas logo esquecemos disso. Começamos a pensar: “será que eles vão conseguir chegar?” Pode não ser exatamente uma travessia do Atlântico em um pedaço de pau talhado flutuante, mas as viagens difíceis como essa nunca vão deixar de empolgar. Principalmente, quando no final da noite muralhas vão ruir.

segunda-feira, 8 de junho de 2009

"Laura" por Rafael Monteiro Sotero de Melo


Fedora. É um tipo de chapéu macio que forma um pequeno arco que descende na parte da frente. Ele é praticamente igual ao Humburg e ao Trilby, mas na frente de sua parte superior há um estrangulamento nos dois lados. Assim, a parte superior forma quase um losango irregular. Além disso, só ele pode ser apontado como um dos principais representantes do filme noir. E por quê? Bem, quem viu um detetive de noir sem um Fedora que atire a primeira pedra.

É justamente o Fedora que nos dá uma dica no primeiro minuto do filme Laura, um dos primeiros noir. Todo mundo no filme usa um Fedora, com exceção de Waldo Lydecker, que usa um Tilbry. Podemos dizer que isso se dá porque ele é um dândi bem aos modos de Oscar Wilde (só para não ser tão homófobo). Nada mais natural que ele usar um chapéu diferente, certo?

Errado. Estamos falando de um filme noir. Tudo começa no suposto assassinato de Laura Hunt, uma mulher independente e de conduta um pouco questionável para a década de 40. Qualquer detalhe torna uma pessoa suspeita e não deve ser descartado. Isso vai influenciar na tentativa de achar a resposta de uma das principais perguntas de um noir: quem é o assassino?

É curioso como esse tipo de diversão tenha se perdido ultimamente no cinema. Hoje, os filmes de investigação mais se destacam pelo mistério e pelo suspense. Até coisas sobrenaturais e nojentas são usadas para tentar despertar o interesse dos espectadores que já descobriram algumas dezenas de assassinos. Os detetives atuais se debruçam sobre os cadáveres e ficam buscando detalhes microscópicos que são inventados a todo instante por um jogo de câmera.

Em Laura nem somos sujeitados a ver esse tipo de cena. Sabemos logo de cara como a personagem foi aparentemente morta. Só precisamos saber quem deu o tiro. E é ai que está um charme do filme. Todo mundo tem motivos para matá-la e motivos para não matá-la. Todos têm álibis. Todos são igualmente suspeitos no começo. Cabe ao detetive Mark McPherson tentar desatar o nó.

E tudo fica mais complicado ainda quando numa noite de bebedeira, o detetive vê a própria vítima entrar em casa. Ele surge quase como um fantasma no meio de uma névoa. Chegamos a pensar que é um sonho ou ilusão, mas não. Laura está viva. O jogo do detetive fica mais e mais complicado com isso.

Aqui vale a pena destacar a personagem Laura, interpretada pela atriz Gene Tierney. Há até quem a considere apática e que não passa de um rostinho bonito e muitas até frágil. Mas não é interessante que era surja assim? Ora, qual era a necessidade de mostrá-la uma mulher forte? Só porque todos se lembravam de uma pessoa idealizada. Se formos falar de lembranças dos entes queridos, ACM mereceria ser beatificado na Bahia. Será que depois de se mostrar frágil e confusa, Laura precisaria olhar obliquamente para a câmera e dar um leve sorriso dissimulado?

É engraçado achar Laura apática quando o nosso exemplo menor de femme fatale seria Capitu. A situação fica mais curiosa quando notamos que o Waldo realmente parece o Dom Casmurro numa versão witty. Talvez possamos comparar essa beleza que causa tragédias à personagem Remédios de Cem Anos de Solidão, de Gabriel García Marquez. Esta era uma jovem mentalmente retardada que causava a morte daqueles que se apaixonassem por ela. Talvez a beleza seja a única coisa fundamental nessa história.
Isso talvez fique mais claro quando notamos a forma que os relacionamentos da protagonista literalmente fluem de homem para homem. Primeiro Waldo, depois um pintor figurante que fez o belíssimo quadro da protagonista, depois o inútil do Shelby e finalmente o próprio detetive Mark McPherson. Este último é um caso bem curioso, pois vamos vendo como ele vai se apaixonando aos poucos pelo fantasma de Laura (despertando até o ciúmes póstumos de Waldo), mas realmente é um mistério que Laura tenha se apaixonado por ele. Foi algo muito súbito. Coincidentemente sua paixão varia de acordo com a sua necessidade e creio que isso decepciona o espectador. A femme fatale deve usar os machos a seu bel prazer e quiçá no final se entregar de corpo e alma a um só alfa. Qual o ponto dela realmente gostar de todos aqueles homens?

Provavelmente não passa de combustível para a tragédia. No cinema atual, algum dos machos poderia dar um risinho maligno para a câmera no final; isso nos faria imaginar no Laura 2, como seria. O diretor foi mais conservador. Preferiu começar no relógio e terminar nele próprio. Ele nem sequer deixou margem para pensarmos no que poderia acontecer a todos os envolvidos depois do desfecho. Parece que uma vez solucionado o mistério, o noir não tem motivos para continuar. Posso imitar-lhe o exemplo e voltar para o começo deste texto. Ainda acho muito estranho que logo de cara o assassino use um Tilbry, enquanto todo o resto use Fedora.