domingo, 21 de junho de 2009
"Gris" por Ingrid Maiany
O que importa uma existência? É difícil obter essa resposta, mas algumas existências, mais do que outras, podem render uma boa história. Esse é o caso da de Ian Curtis, vocalista da banda Joy Division, precursora do New Order e grande sucesso nos corridos e sombrios anos 70. Virgínia Woolf, que também teve sua vida retratada no cinema recentemente por Stephen Daldry em As Horas (2002), costumava dizer que “gosta-se muito mais das pessoas quando elas são abatidas por um cerco extraordinário de desgraça do que quando elas triunfam”. Se na vida real pode-se questionar essa posição, no cinema ela é praticamente irrefutável e os grandes dramas costumam figurar entre os maiores sucessos de crítica.
O estreante Anton Corbjin tinha, portanto, uma grande possibilidade de triunfo em mãos quando decidiu filmar a trajetória sombria do jovem inglês. Restava repetir em um longa o primor que marca seu trabalho nos vários videoclipes que dirigiu ao longo da sua carreira, inclusive da própria Joy Division. E foi isso que aconteceu em Control (2007). Seu talento de fotógrafo legou ao filme uma sequência de imagens muito bem pensadas, marcadas pela sobriedade do preto e branco, belos ângulos e uma meticulosa disposição de elementos. A opção pelo tom monocromático é decorrente da atmosfera cinzenta que cobre a cidade de Manchester, grande responsável pela angústia do vocalista, bem como uma referência ao nosso costume de enxergar a banda sempre nessas cores, seja em vídeo, seja em papel.
Com a clara intenção de produzir um filme de autor e não um retrato do rock, Corbjin escreveu seu roteiro baseado no livro Carícias Distantes, da viúva de Curtis, Deborah. Ele acredita que tudo está “vinculado ao homem e à sua forma de agir ao seu entorno” e que o Ian Curtis artista é decorrente do adolescente que escolheu um casamento precoce e sofria de epilepsia. Enveredando por esse caminho, tenta mergulhar na personalidade do biografado, tal fez Oliver Dahan em Piaf – Um Hino ao amor (2007) e Todd Haynes em I’m not there (idem), o segundo ousando na abordagem das múltiplas facetas de Bob Dylan. Entretanto, a fidelidade mantida as palavras de Deborah confere certas limitações ao enredo, que se torna um tanto pragmático, voltado para o fracasso da vida afetiva do cantor, bem como concede pouco espaço aos pilhéricos outros integrantes da Joy Division. Essa última constatação, todavia, é suplantada pela excelente escolha de elenco. Sam Riley parece tomado por inteiro pelo “imo curtisiano”. A agonia de Curtis, sua densidade no olhar, a dança epiléptica, as contorções, tudo foi corretamente interpretado pelo ator, que vai muito além de sua semelhança física com o personagem e chega ao empréstimo de sua voz aos musicais.
O ataque sofrido por Curtis após seu primeiro show em Londres é um momento especial no tempo. Após o diagnóstico da epilepsia, o tédio adolescente é substituído pela turbulência da vida adulta, os remédios roubados para evasão divertida dão lugar aos receitados para combater à doença, e She’s lost control é a canção escolhida para indicar a seção entre duas etapas da vida de Ian, da banda formada após um show de Sex Pistals, e, consequentemente, do filme. Se algum dia tivera sido senhor de sua história, Curtis definitivamente perdera o controle desta, e o caso com Annik surge para selar o acontecimento. Era o fim da vida estável com casamento sólido e trabalho numa agência de empregos, seu relacionamento com Debbie definhava e o Joy Division exigia uma trajetória errante, que unida ao álcool e à depressão, agravou bastante sua moléstia. O matrimônio tem fim com um bilhete; Curtis entra em convulsão em pleno palco. Amor e ódio se misturam, nada é simples. Mais árduo que medir uma existência é entendê-la e, dilacerado e exausto, Ian Curtis comete suicídio após assistir Stroszek, de Werner Herzog, ouvir The Idiot, de Iggy Pop e ter um último acesso de epilepsia.
São da mesma Virgínia Woolf as seguintes palavras: "Quase todo biógrafo, se ele respeita os fatos, pode nos dar bem mais que outro fato para adicionar na nossa coleção. Ele pode nos dar o fato criativo; o fato fértil; o fato que sugere e engendra." É dessa maneira que, retratando uma história, Corbjin nos dá algo completamente novo. Embora fiquemos mudos ao som da Atmosphere tocada ao final, o filme não se deixa passar em silêncio.
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