terça-feira, 16 de junho de 2009

"Cartão de visitas" por Wesley Prado


Considero-me uma vergonha como cinéfilo. Desconheço boa parte dos filmes ditos clássicos. Diretores, aqueles também clássicos, conheço da maioria apenas o nome, de tão idolatrados pela 7º Arte. Antonioni, Fellini, Truffaut, Bergman, ainda são um mistério para mim. Ao menos Godard já não é mais depois que vi “O Demônio das Onze Horas” (1965).

A abertura semelhante a um jogo de forca me chamou logo a atenção. Era como se Godard estivesse me dizendo “Você vai descobrir este filme aos poucos, com calma, como num jogo de forca”. Resolvi adotar o conselho.

O Pierrot do título original é Ferdinand, um sujeito meio abobalhado, cansado da futilidade da vida. Godard, ao mostrar esse cansaço, cria uma espécie de bizarra publicidade, ironizando o consumismo em vermelho, verde, azul e amarelo. “Para querer algo é preciso estar vivo”, diz Ferdinand. O choque existencialismo x individualismo abre a discussão e conduz a narrativa em diferentes tons ao longo do filme.

Ferdinand se envolve inusitadamente com uma jovem chamada Marianne. Enérgica e dominadora, ela o leva, como uma criança, numa fuga embasada no limite entre normalidade e absurdo. Godard exibe uma realidade-fantasia muito mais marcante que qualquer efeito especial de hoje.

Numa trilha sonora fragmentada, alternando silêncio e música, Ferdinand e Marianne vão levando uma vida de Bonnie e Clyde, fugindo e roubando para sobreviver, e continuar fugindo. Em meio a essa jornada francesa, Godard ainda encontra tempo para falar de Guerra Fria; com o mundo dividido e pessoas cansadas, através da metáfora da lua.

Cansados de tanto fugir, o casal encontra o paraíso, um pedaço esquecido da França que parece desligado das responsabilidades do mundo real. Mas essa vida onírica também cansa. Robinson Crusoé também queria sair de sua ilha. Marianne, a “My Girl Friday” nos cadernos de Ferdinand, não suporta mais tanta calmaria. Calmaria esta que oferece tudo o que Ferdinand precisa. Essa discordância é inevitável, já que ela é a necessidade de emoção, enquanto ele é a lógica da necessidade.

Nessa busca por emoção, Marianne arrasta seu Pierrot., Le Fou (O Louco), cuja maior necessidade é a presença dela em sua vida. Poucas vezes a expressão “a vida é um filme” foi tão bem desenhada no cinema como na relação desse casal, reforçada na brincadeira de Godard com o néon “Cinema Riviera” e “vie” (vida, em francês).

O cansaço abraça essa obra, especialmente na figura de Ferdinand. Aliás, vale dizer que o filme cansa um pouco a quem o assiste por seu ritmo cortado e sua atmosfera fora do real. Se a MTV existisse nos anos 60, Godard seria um dos pais do videoclipe com “O Demônio das Onze Horas”. Não tem como não imaginar uma batida pop na cena em que Marianne corta o ar com uma tesoura. Ainda assim, seria um clipe lento. Paradoxal, não? O excesso de planos abertos, paisagísticos, colabora com a sensação de lentidão. Talvez tudo isso seja culpa das idéias da Nouvelle Vague francesa. De qualquer modo, “O Demônio das Onze Horas” me foi um ótimo cartão de visitas sobre Godard. E quando um filme desperta a curiosidade por outros trabalhos de seu diretor, ainda mais quando se trata de Godard, isso só aumenta seu valor.

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