quarta-feira, 10 de junho de 2009

"Fora de controle" por Felipe Lima



Ainda no camarim, com a cabeça encostada na parede, Ian Curtis, vocalista do Joy Division, reluta em entrar no palco. Seus companheiros de banda já estão lá tocando os acordes enfurecidos. Seu semblante, porém, denota mais do que um stage frightening. A pressão sobre ele é grande. Tudo lhe parece confuso. Enfim resolve encarar a platéia, que se encontra ávida e um tanto aborrecida com a demora. Respira fundo, morde o lábio inferior e se lança para mais uma apresentação. De microfone em punho, declama apenas alguns versos da canção ‘Disorder’: “It’s getting faster, moving faster now, it’s getting out of hand”. Tudo saiu de controle. Curtis não suportou. A cena se passa na metade final de Control (Reino Unido, EUA, 2007) cinebiografia que desvenda os caminhos que levaram um dos mais promissores personagens da história do rock ao suícidio prematuro. É também a que melhor sintetiza a mensagem engendrada pelo longa. Filmado em preto e branco, desde o início transpira incômodo, desconexão e tormento. Alguns dos sentimentos que afligiam Ian Curtis.

Para fazer entender o porquê de um jovem de 23 anos, dono de uma presença de palco única e compositor afinado com o espírito de uma época (no caso, final dos anos 70, a ressaca do movimento punk), o diretor e fotógrafo holandês Anton Corbjin (autor de imagens icônicas, como a capa do disco The Joshua Tree, do U2) foi buscar o livro escrito pela viúva do vocalista, Deborah Curtis, como base para o roteiro de seu filme. Tudo para mostrar as contradições existenciais que permearam os últimos anos de vida de Ian. Ainda moço, Curtis casou-se e viu os percalços de conciliar um dia-a-dia de marido e pai precoce com a de um rockstar em ascensão. Entram em cena então a figura de sua amante e o agravamento da epilespsia, doença que lhe atormentava nos seus piores momentos de incerteza. Extremamente humano no desenrolar das relações, Control é um filme que celebra a imagem de Curtis, porém sem medo de mostrar seus defeitos, falhas e equívocos. O que já o difere, e muito, de outras cinebiografias.

Cada cena é recheada de ambiguidades. Um exemplo contundente é a que mostra Curtis caminhando na rua. Com a canção ‘No Love Lost’ ao fundo, a câmera vagarosamente passa a enquadrá-lo de costas. É quando vemos em sua jaqueta a palavra ‘Hate’ escrita com letras garrafais. Logo em seguida vê-se que o cantor se dirige a uma agência de empregos, o que, a princípio denota uma certa postura punk, give a fuck. Qual não é a surpresa quando vemos que ele trabalha no serviço de triagem de pessoas que procuram ocupação. Trata-se de mais uma peça no quebra-cabeça que não se encaixa da vida de Curtis. Suas escolhas não tinham lógica. E suas tentativas de conciliar os diferentes aspectos de sua vida se tornaram de tal modo infrutíferas que não lhe restou solução a não ser pôr fim a sua existência.

Fotografia e direção são detalhistas e são responsáveis por criar toda a atmosfera do filme. Mas são a atuação de Sam Riley como Curtis e o roteiro que se sobressaem. O primeiro, logo na primeira vez que leva o cigarro a boca mostra que não apenas estava retratando, e sim, incorporando a figura de Curtis. Os trejeitos, a sensação de deslocamento e principalmente o olhar intenso quando estava no palco são de uma semelhança absurda. Quanto ao roteiro, além da humanização da história de todos que conviveram com o vocalista, se diferencia por construir um argumento calcado em diálogos e pensamentos dos personagens extremamente imbricados com as letras das canções que Curtis escrevia.

Não é à toa que quando não consegue mais cantar, engasgado pela angústia, sufocado por uma sensação de incompatibilidade geral, Curtis interrompa a apresentação no meio de ‘Disorder’. Se continuasse a cantar teria que recitar versos ainda mais perturbadores: “I've got the spirit, but lose the feeling”. Fica a cargo do longa exibir o desfecho nada feliz dessa história com uma sensibilidade rara.

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