sexta-feira, 19 de junho de 2009

“Fuga ao som de blues” por Aaron Athias


O filme Down by Law (1986) abre com uma câmara em movimento com imagens preto e branco de subúrbio: casas abandonadas, muros pichados e carros policiais fazendo ronda. No fundo uma música meio jazz, meio blues canta sobre crime e alcoolismo.

O lugar é Nova Orleans, Louisiana, e a música de Tom Waits combina perfeitamente com a atmosfera do lugar. Mas na verdade isso tudo é só o pano de fundo de um filme aparentemente banal com enredo e história bastante simples, mas que retrata brilhantemente os dilemas da convivência forçada, da amizade e do tédio. São esses os três pontos centrais do filme de Jim Jarmusch.

Zack (Tom Waits) é um DJ e trabalha em rádios. Jack (John Lurie) é um cafetão envolvido no submundo do crime. Por motivos que o filme não explicita, Jack e Zack caem ambos em armadilhas e acabam indo à prisão. Os dois se conhecem lá e a partir de então constrói-se uma amizade atípica, não-declarada mas presente, porém marcada por implicâncias e discussões. É aí que entra Roberto (Roberto Benigni) um italiano que na verdade já tinha sido apresentado no filme, mas reaparece. Roberto é a figura excêntrica que quebra com a monotonia da vida carcerária e com o antagonismo presente na relação entre Jack e Zack ao ser preso por homicídio. Com um inglês bastante caricato, ele puxa assuntos do nada, solta frases engraçadas, de tal maneira que acaba envolvendo os tediosos companheiros de cela, Jack e Zack, nas suas conversas, que não o levam muito a sério. Na verdade eles só o levam a sério quando ele revela saber um jeito de fugir. Ao saírem da prisão, e após se perderem algumas vezes, os três encontram uma cabana, e tal não é a surpresa, se não a de encontrarem uma italiana solteira e solitária (Nicoletta Braschi) que se apaixona por Roberto e ele por ela.

Roberto decide então ficar com Nicoletta. Jack e Zack, que continuam andando, encontram uma bifurcação e cada um toma um rumo separado. A separação dos três marca o fim da convivência e também o desfecho do filme.

Diversos aspectos me chamaram bastante atenção em todo o longa. Por exemplo, Jarmusch escanteia propositalmente toda a trama por trás dos acontecimentos que levaram Jack e Zack à prisão justamente para focar no convívio dos dois (posteriormente, três). Na prisão isso se torna ainda mais evidente no momento em que a câmara não deixa de enquadrar a cela por um segundo sequer, e o efeito, a sensação de estarmos presos ali também, é facilmente construído. O tédio é uma constante em toda a obra. Ora presente nas longas pausas, no silêncio, nas conversas enxutas, ora nas expressões faciais dos encarcerados. Diferente de todos os filmes que recordo ter visto com a temática de fuga de prisão esse é o único de que me lembro que não mostra a maneira pela qual os três fugiram. Em uma cena Roberto explica que conhece uma rota de saída, em outra são mostrados os três saindo da cela, e por fim os três já estão no esgoto, praticamente fora da prisão.


Se existe outro ponto em que Jarmusch acertou em cheio foi a de incluir o próprio Tom Waits para a trilha sonora. A música do filme (muito boa por sinal), que se aproxima muito do blues (coincidentemente ou não, gênero típico de Nova Orleans) é primordial, assim como o preto e branco, para criar esse clima de decadência citado anteriormente.

Interessante foi encontrar pontos em comum desse filme com outro de Jarmusch que vi recentemente, Flores Partidas (2005), pontos em comum que na verdade caracterizam o estilo do diretor. A importância que Jim Jarmusch dá sobre os personagens é notadamente maior que a importância do enredo nos dois filmes. Em Flores Partidas o personagem Don Johnston (Bill Murray) parte em uma viagem solitária em busca da mulher que lhe escreveu uma carta revelando a existência de um filho dele. Novamente, assim como em Down by Law, o silêncio é um artifício bastante utilizado e as cenas com a câmara em movimento mostrando a paisagem que vai passando na janela do carro lembram o estilo das cenas do subúrbio de Nova Orleans.

No final da contas, Down by Law é a prova viva de que não é necessário uma grande trama, ou um grande enredo para produzir um bom filme quando se tem em mãos ótimos personagens e ótimos atores para representá-los. Down by Law conseguiu atrair a atenção do início ao fim, sendo leve e cômico mas não por isso besta ou banal.

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