quarta-feira, 9 de janeiro de 2008

"A casa de todos nós ou os nós de toda casa" por Luís Fernando Moura


O primeiro trabalho de Chico Teixeira com ficção vem contradizer. O processo e o produto são permeados de grandes e pequenas certezas e incertezas, maturidades e imaturidades de um cinema que se arrisca na formação crua de personagens e das circunstâncias que tendem a esmiuçar uma realidade eminentemente nacional. Em A Casa de Alice, o olhar curioso e descobridor do documentarista se evidencia, tentando revelar a destreza e a falácia de ser da classe média paulista. Mas o manejo da dramaticidade na obra desvela a inoperância dos excessos na condução dos conflitos que se iniciam naquele apartamento.



Pois é, talvez não haja contradições, somente a troca de termos, de lugares e a predicação várias vezes determinante quanto à existência dos sujeitos. Cremos nos personagens, sim, mas sentimos que eles estão no lugar errado, a despeito de toda a sua naturalidade. Assim, Alice, seu marido, sua mãe e seus três filhos adolescentes são, ora valorizados, ora subestimados.



O trabalho de fomentar um naturalismo na narrativa é bem articulado. Chico Teixeira explora o realismo de uma locação verossímil, na qual Mauro Pinheiro Junior faz bem o ofício de equilibrar as luzes e explorar sempre mecanismos estéticos livres de artificialismos. Fotografia, arte, construção espacial familiar, e se pode convidar os atores a entrar. Vem então a maior perspicácia de Teixeira na produção da obra e a medida determinante para que se valha a pena assistir a A Casa de Alice: a escolha do elenco, uma das etapas mais demoradas da produção, como já revelou circunstancialmente o cineasta. No projeto, o trabalho de casting foi a procura dos “próprios personagens”, nas palavras de Teixeira, e não de atores aptos a interpretar aquelas criaturas ficcionais. Recentemente, Karim Ainöuz sofisticou o entorno relacional dos personagens dando a eles o nome dos seus respectivos atores, em O Céu de Suely. O resultado possibilitou um arranjo naturalista e a imersão mais profunda dos intérpretes naqueles papéis, que se tornaram radicalmente familiares. Aqui, Teixeira faz uma escolha a dedo dos integrantes do seu elenco a partir do confronto das figuras ideais em seu filme e de possíveis atores, procurando, como documentarista, um personagem para sua representação do real. A passagem para a ficção naturalmente possibilita que sua abordagem do mundo se recrie fundamentada num universo pessoal do que se quer dizer enquanto autor. Mas as amarras soltas e, ao mesmo tempo, específicas, do ofício de documentar estão presentes em toda a construção da obra enquanto fruto do olhar estrangeiro que, curioso, intenta em registrar o que há de espontaneamente interessante, nos detalhes mais sutis. Assim, a obra é um filme de personagens, onde o que vale é explorá-los em suas banalidades e em seus corriqueirismos, para suscitar ou amadurecer seus conflitos. Dada essa força aos papéis, Carla Ribas já ganhou diversos prêmios por sua atuação como Alice.



O pecado do filme existe exatamente na medida em que se busca o destarte espontâneo das rupturas, das crises. Se, no filme de Ainöuz, o drama de Hermila flui com naturalidade, aqui certos conflitos são desenvolvidos de forma a fazer declinar o livre arbítrio dos personagens. Em alguns momentos, a liberdade latente dos personagens criados por Teixeira sofre uma queda brusca e eles passam a agir em função de remendas necessárias a um encaminhamento tal ou qual à narrativa. Nesse sentido, o roteiro de cada um deles enche-se de uma tragédia superficial em torno da qual girarão seus desfechos. Tudo bastante predicativo.



O carinho com os personagens somente prevalece por via de sua conclusão não forçada e das lacunas que o autor poupa em meio aos círculos matemáticos que sustentam alguns dramas. Novamente, talvez por circunstância do olhar documentarista, Teixeira pode segurar seus personagens, mas sabe a hora de soltar. Depois do filme, a vida continua. Ou não? Marca de uma possível tendência naturalista, o final é sempre sugestão de algo muito maior do que tudo que o filme pôde dizer objetivamente.



Para cuidar dos seus personagens, Teixeira caiu num esquema presunçoso de divindade, mas não pôde escapar a si mesmo: o teor crível de toda a obra é tão familiar que às vezes até suas maquetes podem passar por casas. O que importa é Alice, e as pessoas ao seu redor.

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