quarta-feira, 9 de janeiro de 2008

"De repente... Lynch" por Mariana Alves


Céu azul, flores coloridas, casas com cercadinhos brancos, crianças atravessando as ruas, bombeiros sorridentes passando... É um dia como outro qualquer em um típico subúrbio norte-americano, até que David Lynch aparece, faz um homem ter um ataque cardíaco enquanto rega a grama do quintal e abocanha várias indicações ao Oscar, ao Globo de Ouro e ao Independent Spirit Awards.


Veludo Azul (1986) é um filme esquisito. Mas, "o mundo é estranho", argumentam algumas vezes os protagonistas do suspense; e Lynch definitivamente o faz ser. Jeffrey Beaumont (Kyle MacLachlan) volta da universidade para sua cidade natal porque seu pai sofreu um enfarte. Ao andar pela rua, ele descobre uma orelha humana jogada na grama. O estudante a leva à polícia e inicia suas próprias investigações sobre a ocorrência, com a ajuda de Sandy (Laura Dern), filha do policial responsável pelo caso. Após uma série de acontecimentos, Jeffrey acaba envolvido com Dorothy Vallens (Isabella Rosselini), uma cantora de clubes noturnos que é a principal suspeita da polícia, e seu amante, o excêntrico e violento Frank Both (Dennis Hopper).


A história, considerada por muitos uma representante do gênero neo-noir, não traz nada de revolucionário: um jovem inserido em um mundo cínico, interessado em investigações policiais, envolvido com uma femme fatale e ameaçado pelo ciumento amante dela. A construção dos personagens de Lynch é que trouxe o tom bizarro ao filme. Ele tem prazer em revelar o lado obscuro do aparentemente pacato subúrbio. Jeffrey é um rapaz "descolado" - bonito, com a orelha furada e que dirige um conversível vermelho pela cidade -, mas confuso. Ele diz amar Sandy e demonstra um interesse especial por ela desde o início do filme, mas tem um prazer estranho em observar a vida alheia e acaba dormindo com Dorothy. Esta, por sua vez, trabalha em um clube cantando noite após noite as músicas de que Frank gosta - todas com a palavra blue inserida na letra. E Frank Both, em premiada interpretação de Dennis Hopper, é a principal atração do circo: ele é um criminoso sádico e mentalmente perturbado, que sofre estranhas regressões à infância quando está excitado, anda com um nebulizador preso ao seu cinto e poderia entrar para o Guiness como a pessoa a mais falar "fuck" na história. Para completar, ele seqüestrou o marido e o filho de Dorothy para que essa pudesse servi-lo como uma escrava sexual - e tão bizarro quanto é o fato de que ela parece gostar dos modos masoquistas de Frank, tanto que pede para Jeffrey espancá-la. É válido notar, entretanto, que apesar de toda a estranheza, o final da obra é o típico "happy ending" hollywoodiano.


Veludo Azul tem cenários interessantes e cenas bem feitas - algumas com toques cômicos, como a prostituta dançando no capô do carro enquanto Jeffrey é espancado; poucas cenas conseguem ser mais surreais que essa. Engraçado também é o fato de que nas cenas dramáticas a trilha sonora é alegre, e em cenas supostamente de passagem, como quando aparecem placas com nomes de ruas ou cenas da cidade, a música é de suspense. Há alguns momentos dignos de Hitchcock, como quando vemos, junto com Jeffrey, de dentro do armário, o que se passa na sala de Dorothy. Os atores são engajados e interpretam maravilhosamente bem seus personagens, mas a história não é bem desenvolvida e o filme acabou impressionantemente monótono. O melhor comentário que já vi sobre o filme foi o de David Nusair, crítico do Reel Films Review: "Lynch quer imergir o espectador num mundo completamente diferente do seu - é de se esperar, pelo menos -, para que, depois de assisti-lo, você reexamine sua vidinha plácida. Mas ele não consegue ser atraente. Esquisito por ser esquisito não é o bastante; tem que haver algo mais. E se ele fosse esquisito, mas interessante, estaria tudo bem. Mas Veludo azul é completamente chato a maior parte do tempo".


Não sou uma fã de David Lynch. Nem ao menos gostei de Veludo Azul, mas talvez escrever sobre ele depois de assistir a O cozinheiro, o ladrão, sua mulher e o amante (1989), de Peter Greenaway, tenha melhorado bastante meu conceito inicial sobre a obra. Se a intenção é ver esse tipo de filme um tanto obscuro, sádico - e cansativo -, definitivamente a escolha melhor escolha é Veludo Azul. A pessoa ao menos tem a possibilidade de sair com um leve sorriso no rosto. Em matéria do cinema dos anos 80, eu particularmente prefiro assistir a Curtindo a vida adoidado (1986), clássico da "Sessão da tarde" da Globo que tem um lugar especial em minha estante, ou à trilogia De volta pro futuro (1985, 1989, 1990), a qual eu espero que brevemente faça parte dela.

Bibliografia:

AMARAL, A., FIGUEIREDO, C., MONTEZINO, A. Dissidências - uma viagem pela marginalidade da música e do cinema. Acessado em: 06 de dezembro de 2006. Disponível em: http://www.ipv.pt/forumedia/f2_fe1.htm

COSTA, Paulo. Veludo Azul. Cine Pt. Acessado em: 06 de dezembro de 2006. Disponível em: http://cinept.blogspot.com/2005/09/veludo-azul-blue-velvet-1986.html

EBERT, Robert. Blue Velvet. Rogerebert.com. Acessado em: 06 de dezembro de 2006. Disponível em: http://rogerebert.suntimes.com/apps/pbcs.dll/article?AID=/19860919/REVIEWS/609190301/1023

NUSAIR, David. Blue Velvet. Reel Film Reviews. Acessado em: 06 de dezembro de 2006. Disponível em: http://www.reelfilm.com/mini7.htm#blue

VELUDO AZUL. 65 anos de cinema. Acessado em: 06 de dezembro de 2006. Disponível em: http://www.65anosdecinema.pro.br/Veludo_azul.htm

VELUDO AZUL. Cine Indie. Acessado em: 06 de dezembro de 2006. Disponível em: http://www.cinedie.com/bluevelvet.htm

VELUDO AZUL. Interfilmes.com. Acessado em: 06 de dezembro de 2006. Disponível em: http://www.interfilmes.com/filme_14714_Veludo.Azul-(Blue.Velvet).html

VELUDO AZUL. 2001 vídeo. Acessado em: 06 de dezembro de 2006. Disponível em: http://www.2001video.com.br/detalhes_produto_extra_dvd.asp?produto=4657

VELUDO AZUL. Adorocinema. Acessado em: 06 de dezembro de 2006. Disponível em: http://www.adorocinema.com/filmes/veludo-azul/veludo-azul.asp

VELUDO AZUL. Istoé Online. Acessado em: 06 de dezembro de 2006. Disponível em: http://www.terra.com.br/istoe/1708/1708emcartaz.htm

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