quarta-feira, 23 de junho de 2010

"Blow Up", por Ingrid Maiani


“Blow up”, primeiro filme em língua inglesa de Michelangelo Antonioni, é um verdadeiro trocadilho. Filmado na Londres de 1966, o longa amplia nossa visão de cinema, à medida que Thomas – o fotógrafo personagem – amplia seus negativos. E o trocadilho não se restringe à brincadeira com o título da película. Mas para que se entenda, é preciso contar um pouco da história ambientada na “swinging london, expressão de Diana Vreeland, editora-chefe da mais famosa revista de moda do mundo, a Vogue.

Para começar, é necessário que se diga que é exatamente com moda que o personagem de David Hemmings trabalha. Thomas é o mais requisitado fotógrafo de modelos e publicações da capital inglesa. O que não faz com que sua vida seja interessante. Ele julga todas aquelas mulheres tão bonitas quanto inexpressivas um tédio. “Sorria”, ordena para um grupo de cinco garotas que estão sendo fotografadas. Diante da apatia que permanece, constata: “Vocês não sabem sorrir”.

Não, a criatura de Antonioni não é contente com sua vida de glamour. Ele próprio sorri muito pouco. E é por isso que quando resolve lançar um livro, a temática nada tem a ver com a beleza gritante da esfera “fashion”. Isso não é real. E o que é real para Thomas? A insatisfação, a tristeza, retratadas em violência, em mendigos. Mas ora, que penoso seria um livro sem final feliz! Afinal, não é isso que o leitor anseia ao acompanhar uma história? Não é isso que esperam aqueles olhos na sala escura do cinema?

Thomas encontra não premeditadamente um desfecho tão real como bonito para seu enredo. Passeando por um típico parque londrino, o fotógrafo flagra um casal aos beijos e decide fazer dessas imagens não autorizadas o “grand finale” de sua obra. Mas, como diz o teaser do filme (inteligentemente composto por foto-imagens – http://www.youtube.com/watch?v=an4tDcb7LvQ), “algumas vezes, a realidade é a mais estranha de todas as fantasias”.

Talvez pelo fascínio que a cena lhe causou, talvez pela insistência de Jane (Vanessa Redgrave) – a moça fotografada involuntariamente – em receber o filme utilizado de volta, Thomas confere atenção especial às imagens capturadas no parque. E é justamente a expressividade dela que a trai. Jane se mostra preocupada, aflita, olhando em uma direção. Após uma série de ampliações do local para o qual ela olhava, Thomas consegue perceber um homem segurando uma arma. Teria o fotógrafo sido ironicamente testemunha de um assassinato enquanto tentava livrar-se do rumo obscuro de seu livro?

Não importa a resposta, não é esse o objetivo do filme. “Blow up” é uma alegoria. Através da metalinguagem, ele versa sobre o cinema. Da mesma maneira que o espectador procura uma resposta por meio da sucessão de imagens que se projeta na tela, Thomas tenta achar uma solução pras fotografias do parque espalhadas pelas paredes de sua casa. Antonioni parece estar a todo momento perguntando: “cinema tem que fazer sentido?” Bom, a sequencia de imagens observadas pelo fotógrafo possuem uma lógica. Contudo, a lógica foram as fotografias que projetaram ou foi Thomas quem inventou? A mensagem transmitida pela película pertence ao cineasta ou àquele que a assiste? Engendra-se uma discussão acerca da perspectiva.

Talvez seja esse o principal questionamento de Antonioni. Não é, contudo, o único. As modelos em suas poses estáticas, os diálogos escassos, a apatia dos espectadores do show dos Yardibirds, a passividade dos frequentadores da festa em que Thomas vai resgatar seu agente. Tudo vai de encontro à Londres efervecente da década de 60. Nessa época, a Inglaterra vivia uma explosão cultural e lançou ao mundo importantes nomes da música, artes plásticas, teatro, moda e cinema. Entres eles, a própria Verucshka, modelo fotografada por Thomas em “Blow up”.

O ensaio de Verucshka para Thomas é uma das cenas mais bonitas do filme. Ângulos avassaladores, enquadramentos perfeitos, movimentação precisa. O espectador, pelos olhos de Antonioni, é o fotógrafo de Thomas fotografando sua modelo. Sendo tecnicolor, “Blow up” possui imagens exuberantes, as cores são vivas, talvez a única coisa palpitante na obra. Nem mesmo o lema “sexo, drogas e rock'n'roll” foge ao tédio que é a vida humana. A apatia não se restringe aos ouvintes da apresentação dos Yardibirds. Moças e rapazes que se drogam, não ficam eufóricos. Eles olham para o nada e possuem a mesma expressão vazia das modelos fotografadas anteriormente ou da vizinha de Thomas, Patrícia (Sarah Miles), ao fazer sexo com seu namorado.

O porquê do talvez na afirmação sobre as cores deve-se a basicamente um detalhe: os mímicos que abrem e encerram o filme de Antonioni. Eles são, certamente, borbulhantes. Na última cena, Thomas presencia uma partida fictícia de tênis encenada por eles e não só parece ver, como escuta a bola. Pois não é isso que nos acontece ao ver um filme? Sabendo tratar-se de uma representação, transportamo-nos para sua história e cremos naquilo que estamos vendo. Último plano, o fotógrafo vai buscar a bolinha imaginária que caiu longe, no gramado, e desaparece. Para onde foi Thomas? Sobem os letreiros, voltamos.

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