quarta-feira, 23 de junho de 2010

"Fahrenheit 451", por Renata Monteiro


Fahrenheit 451 é a adaptação cinematográfica do romance homônimo do autor americano Ray Bradbury, e foi dirigido por François Truffaut. A obra é a primeira produção da Universal Pictures na Europa, e a única de inglesa do diretor. Londres era uma capital mundial e estava fervendo, nada melhor para um diretor como Truffaut, que estava à frente de tudo de novo que acontecia no meio do cinema e viu na Inglaterra uma oportunidade inédita de dirigir. O filme foi gravado nos estúdios Pine wood (Buckinghamshire, Inglaterra), que é o estúdio britânico mais importante, por onde já passaram filmes desde Narciso negro à saga Harry Potter. Truffaut declarou ser o seu filme mais difícil e mais triste, em sua experiência como diretor. O motivo talvez seja o seu já conhecido desentendimento com o ator principal, Oskar Werner (Montag), durante as gravações.

A narrativa nos apresenta a representação de um futuro hipotético onde a leitura de livros escritos é proibida. A sociedade desse futuro acredita que os livros deixam as pessoas infelizes. Os romances, por exemplo, trazem infelicidade para as pessoas pelas histórias trágicas dos personagens fictícios e “faz com que elas queriam viver de uma maneira quase impossível”, os livros de filosofia todos dizem as mesmas coisas e pregavam que só os filósofos estavam certos e que os outros eram idiotas, as biografias queriam satisfazer a vaidade dos seus autores, e livros como A ética de Aristóteles serviam para que seus leitores acreditassem que estariam em um pedestal acima dos outros que não o fossem. Essas idéias fazem com que a sociedade retratada acredite que a única maneira de ser feliz é sendo igual a todos.

Os livros são contrários a isso e devem ser queimados. As pessoas se tratam como “primos”, para ressaltar essa idéia de igualdade, e são todos alienados, extremante dependentes e influenciados da televisão, que parece fazer parte da sociedade. Em todas as casas há uma antena, e a televisão age de maneira interativa com as pessoas acentuando esse caráter de integração com esse meio. Mas restam pessoas que ainda lêem e mantêm livros em suas casas, para isso os bombeiros são acionados, incinerar livros é a função desses profissionais nesse futuro relatado. Montag é um bombeiro que está para receber uma promoção, Linda (Julie Christie) é sua esposa, ela é bastante influenciada pela televisão. Montag conhece Clarisse (Julie Christie em seu segundo papel na trama), e a partir desse encontro Montag muda seu comportamento, afetando no seu trabalho e na sua vida pessoal. Ele começa a questionar suas funções, e desencadeia uma paixão pelos livros que tanto havia destruído.

Esse filme retrata muito bem essa sociedade alienada e sem leitura, já nos seus créditos iniciais não há textos escritos indicando a proibição, os nomes são narrados e imagens coloridas de diversas antenas de televisão aparecem. A cor no filme é algo bastante marcante, esse é primeiro filme colorido de Truffaut, e ele utiliza muito o vermelho, exaltando esse ambiente quente e em chamas em que se desenvolve a trama. Mesmo se passando em um futuro, o filme não perde as características dos anos 60, época em que foi produzido, as cores vibrantes, os objetos e a caracterização dos personagens (roupas, cabelos e etc) se assemelham muito com as desse período. É um futuro com moldes nos anos 60, esses equívocos são recorrentes em outras obras do tipo, pois não há como fugir de suas referencias temporais. Ainda assim Fahrenheit 451 é considerado um filme marco de produções futurísticas, pela sua representação do futuro e fonte de inspiração para futuras obras do gênero. Os atores principais são polêmicos, Julie Christie e seu duplo papel, que de duplo não tem nada, pois a atriz só troca de peruca e nada em suas nuances de atuação muda, e também Oskar Werner que além de suas intrigas com o diretor do filme, permanece quase o filme todo com o mesmo olhar intrigado (e irritante por ele ter uma enorme distancia pupilar). A trilha sonora do filme é de Bernard Hermann, o compositor favorito de Hitchcock, e isso de fato se percebe, pois quando ouvimos a música é como se esperássemos a entrada de Norman Bates com um facão, ou nesse caso com um lança-chamas, na cena. A fotografia é de Nicolas Roeg, que depois vai dirigir filmes como O homem que caiu na terra e Inverno de sangue em Veneza, e consolidar o cruzamento de gênero característico em suas obras. Com essa temática futurística e com um certo apelo as questões da época em que o livro foi escrito, o autor, que é americano, põe ao mesmo tempo a questão da alienação pelo meio televisivo (típico do capitalismo) e uma representação de uma sociedade comunista onde a ordem é que todos sejam iguais e uma extrema repreensão aos que não seguem a esse ideal. Centrado na questão do futuro do livro, é uma obra que no mínimo nos faz refletir sobre possíveis sociedades futuras e seus valores, seja convertendo a função do bombeiro (do inglês fireman, homem fogo) que ao invés de apagar, coloca fogo, a metrôs aéreos. Truffaut pode ter recebido diversas críticas negativas em relação a esse filme, por não corresponder ao que o diretor pregava na Nouvelle Vague. Fahrenheit 451 pode ser inserido na definição de cinema comercial, foi encomendado e produzido com alto custo e diversos recursos, não condizia com as outras obras do movimento onde existia ruptura com os padrões vigentes e marca autoral do diretor, que foi questionada nesse filme pelo trabalho final parecer mais com de um artesão e não de um artista. Mas não se nega a importância e qualidade da obra, Martin Scorsese diz que o filme influenciou suas produções, e que ele subestima o trabalho do diretor. De fato Truffaut alcançou uma perfeita interpretação e representação do livro, o que poucos conseguem numa adaptação literária. É um filme visualmente muito bonito. E pode não causar um incêndio de sensações, mas com certeza acende uma chama.

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