domingo, 4 de julho de 2010

#Alok, por Ingrid Maiany


“Oh! Carol, I'm so love with you”, cantou Neil Sedaka em 1959, seis anos antes de Roman Polanski lançar o esquizofrênico “Repulsa ao Sexo”, considerado um dos melhores filmes de terror psicológico já feito. E foi essa música que me veio à cabeça desde a primeira cena em que Catherine Deneuve apareceu com seu olhar vazio, dando vida à Carol Ledoux, manicure, retraída e tímida. A atriz, no auge de sua beleza, está exuberante no longa. Frágil, delicada e sensual, Carol atrai não só o olhar dos homens que a cercam, como o olhar do público, que, no filme de Polanski, eleva à máxima a condição de voyeur – premissa do cinema.

Assim como Hitchkock em sua “Janela Indiscreta”, Polanski abusa do olho panóptico. O espectador vê não apenas a desintegração da personagem, como acompanha suas alucinações, à medida que elas evoluem. É exatamente o edifício em forma de anel, descrito por Foucault. Um observador que, de onde se encontra, consegue ver o interior e o exterior de uma cela e nenhum ato de seu ocupante escapa ao seu olhar. Pois bem, vemos a Carol bonita, com rosto de anjo, jovem e cheia de possibilidades e a Carol com uma mente deveras perturbada, e (por que não?) um tanto perversa.

“Repulsa ao sexo” é a primeira parte da claustrofóbica trilogia do apartamento – que conta ainda com os filmes “O Bebê de Rosemary” e “O Inquilino”. Como o próprio Polanski afirmou, em sua biografia “Roman”, o filme é um thriller, feito para conseguir gritinhos de mocinhas no cinema e rapazes assustados abraçando-as. Tudo ajudado pela excelente trilha minimalista de Chico Hamilton, que junto ao som constante de água pingando e tic-tacs de relógios, geram na plateia um desconforto contínuo.

A história se passa em Londres, onde Carol divide apartamento com a irmã mais velha, Hélène (Yvonne Founeaux) . No primeiro plano do filme, já se desconfia que há alguma coisa errada com a mocinha. Seu olhar perdido e suas poucas palavras instigam várias vezes a pergunta “Você se sente bem?” pelos personagens que a circundam. Carol não responde. Segue em seu silêncio, seu andar mecânico, seus olhos de vidro, seus tiques nervosos limpando sujeiras imaginárias.

Embora Carol e Hélène conversem muito pouco, nota-se que a irmã é a única que consegue “salvar” Carol de seu estado doentio. E é por isso que ela entra em desespero quando Hélène anuncia que vai viajar para a Itália com o amante, Michael (Ian Hendry). “Por favor, não vá”, clama a protagonista, e nós fazemos coro já prevendo o desastre: “Não vá, não vá”. Mas acontece que Hélène vai. E, uma vez só, Carol fica gradativamente mais surtada.

Em suas primeiras noites sem a irmã, o sexo muda de quarto no apartamento. E, no lugar dos gemidos de Hèléne fazendo sexo com o amante, um operário que certo dia lhe perguntara na rua, em tom jocoso, se Carol queria ver sua furadeira, a possui silenciosamente em sua cama. Realidade, sonho, alucinação?

As cenas de estupros se repetem algumas vezes durante a película. Em todas é representada da mesma maneira: violenta e muda. A incapacidade de Carol, seus olhos de temor, seus gritos abafados pelo silêncio geram uma angústia no telespectador. Angústia também sentida quando a vemos perceber as paredes sem consistência, de onde saem mãos bobas que a agarram e imobilizam. Carol está presa em um abuso sexual constante e não pode se libertar, não sozinha.

À principio, pode-se pensar que Colin, vivido por John Fraser – que a vê passar na rua e se apaixona por seu jeito enigmático – pode ajudá-la a sair de seu mundo horripilante. O rapaz é carinhoso, atencioso, protetor. Contudo, não há espaço para o romance no filme de Polanski. E se, como diz Caio Fernando Abreu, “sem amor, só a loucura”, o que vemos é uma pessoa em decomposição – tal qual o coelho que seria o jantar e vira a única companhia de Carol no apartamento escuro e fora de ordem.

Envolta em sua insanidade, Carol libera instintos assassinos. Certa vez eu li que a loucura provoca paixão ou compaixão. Polanski não abre espaço para que o espectador tenha pena da protagonista. Mesmo quando revela – se revela – os motivos da repulsa que Carol sente pelo sexo, ele o faz sutilmente. De maneira que, de todos os sentimentos que podemos sentir pela mocinha, Polanski faz surgir, talvez, o menos provável diante das atitudes que ela toma. E assim, quando a vi nos braços de Ian Hendry, imóvel como sempre, ao final do longa-metragem, só pude pensar em uma coisa: “don't matter what you do, oh! Carol, i'm still in love with you”.

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