domingo, 4 de julho de 2010

Das ruas à pia da cozinha - Realismo social no cinema britânico de 1958 à 1962, por Bruno Alves (parte 2)


Odeio essa mulher (Look Back in Anger) de Tony Richardson (59)

O realismo social tomaria a Inglaterra à partir desta obra de Tony Richardson baseada na seminal peça do mesmo nome de um dos precursores dos jovens irados, John Osbourne.

Se em Room at the Top presenciamos um Joe contido em suas maneiras e focado em um único objetivo, aqui podemos ver o que aconteceria com ele se abdicasse (ou sequer tentasse) de sua ascensão por um casamento. O protagonista aqui é Jimmy. Casado com Allison uma mulher que veio da classe média, vivendo em um apartamento minúsculo, vendendo doces durante as manhãs na feira local e tocando jazz nos bares à noite parece ter sua alma tomada por uma raiva infinita. Sua esposa é constantemente vítima de suas acusações e intempéries despejadas eloquentemente segundo após segundo. Quando esta esconde uma gravidez e traz para casa uma amiga que ele odeia, Helena, o vemos inebriado pelo próprio veneno que injeta através de monólogos cruéis. A sua revolta que inicialmente parecia não ter motivos aparentes advém deste elemento vital do movimento, a insatisfação.

Insatisfação de uma vida repleta de perdas, de oportunidades negadas mas que no entanto lhe permitiu ter a educação necessária para compreender o quanto perdia em cada uma das batalhas. Casou-se com uma mulher que aparentemente ama, embora o espectador possa indagar com completa razão se aquele relacionamento não se sustenta apenas graças à luxúria, que no entanto crê que não o conhece verdadeiramente. É britânica mas sua classe diferente a faz filha de uma cultura completamente diferente.

Tem um único relacionamento satisfatório e saudável: Sua amizade com um imigrante irlandês chamado Cliff que se esforça em manter a paz no casamento do amigo. De temperamento ameno e satisfeito com a vida como ela é parece ser seu completo oposto. Mas a raiva sem limites e muitas vezes inexplicável acaba afastando Allison de si e consequentemente Cliff. O que não parece ser um problema já que ela é prontamente substituída por Helena, repetindo tintim por tintim o que mantinha seu relacionamento anterior funcionando. Helena se demonstra enojada por Jimmy durante boa parte do filme, no entanto basta apenas um avanço para ela ceder. É mais um (para Jimmy) relacionamento calcado em apenas atração sexual que ignora amizades e o bom senso.

No fim Allison perde o bebê. Helena e Cliff vão embora e o casal original se vê reunido mais uma vez em uma estação de trem, com um enquadramento com alusões de romantismo. Mas um romantismo que nasce de um desastre que rebaixa Allison ao nível de Jimmy. Ao afirmar que sabe finalmente o que é a perda de um ente querido ela lhe comunica que enfim eles são iguais. Isso permite-os um reconciliamento e o beijo entre as sombras e fumaças (eita país fumaçento). Mas não é um final feliz. Ambos perderam amizades importantes e entes queridos. Ambos terminam a história mais infelizes que começaram. E sem Cliff e sua função apaziguadora que conseguia manter aquela relação funcionando é um casamento que ainda tem tudo para fracassar.

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