domingo, 4 de julho de 2010

Das ruas à pia da cozinha - Realismo social no cinema britânico de 1958 à 1962, por Bruno Alves (parte 3)


– A Kind of Loving de John Schlesinger (62)

O filme começa com um casamento, mas não o do protagonista Vic. Embora as agruras da vida conjugal sejam o tema principal do filme e si o casamento de sua irmã. Um casamento que simboliza a felicidade idealizada daquele ambiente. Um casamento repleto de gente feia (é o que mais tem nestes filmes, me sinto em casa assistindo-os) de vocabulário extremamente limitado que não cansam de comentar, ou melhor, reafirmar trivialidades. É um casamento com um tom extremamente kistch mas com um ar de felicidade contagiante que é ambicionado por nosso protagonista. Ele, para um protagonista que vive na pia de cozinha, até que é extremamente confortável com suas origens. Não existe nele o desejo de ultrapassar os desígnios destinados em seu nascimento e sim a vontade conformante de quem só procura tirar o melhor daquilo tudo.

Vic está de olho em uma jovem e logo, com o uso de artifícios ingênuos, consegue chamar sua atenção. Ele sabe que existe algo de muito errado na relação, afinal perto da sua namorada alterna entre o desejo e o repúdio. O que ele repudia é a personalidade vazia e consumista que ela exibe e o que deseja é o sexo posto como seu objetivo supremo. Até que para uma inglesa ela é passável, nota 6,5. Enfim, Vic trabalha na relação por motivos puramente egoístas e físicos. O envolvimento emocional é nulo.

Mas ela engravida. Vic preso nas fantasias de um casamento como o da sua irmã e escravo das vontades impostas pela sociedade decide seguir o caminho moralmente correto e a pede em casamento. Ela chora, ele lamenta, ambos sabem que é um casamento fadado ao insucesso, mas tem que fazê-lo. Uma breve lua de mel com uma sugestão honrosa à ignorância sexual que estava sempre presente na sociedade britânica e o retorno à terra. Vic vai morar com sua esposa na casa da sogra, velha enjoada que o despreza, enfim, uma sogra.

Algo interessante neste momento do filme é que com uma certa boa vontade de cinéfilo fantasistas é possível encará-lo até como uma continuação de A Room at the Top. Os obstáculos que Vic enfrenta, como a sensação de ser um estrangeiro em sua própria casa e o conflito de personalidades entre ele, pobretão confortável em sua origem e elas, burguesas hipnotizadas pela televisão e que buscam felicidade através do materialismo que ele não tem condições de proporcionar.

No clímax do filme, frustrado pelo casamento infeliz e pelo aborto da esposa, Vic revira a cidade num oferecimento de sua alma à Baco retornando completamente mamado pra casa (pois se tem uma coisa que bêbado não esquece é o caminho pra casa... e o mé. Momento propício para uma piada com fins de alongar este documento: Mussum chega no barman e pergunta: - Tem leite de cabra suíça? - Não. - Tem leite de vaca holandesa? - Não. - Então tem leite de ovelha escocesa? - Também não. - DEUS SABE QUE EU TENTEI! ME PASSA UMA PINGA!) proporcionando um autêntico barraco com muita choradeira, muito vômito e muita sogra evidentemente.

Após muita patada de todos os lados em vez de se divorciar mais uma vez Vic se dobra aos desejos da sociedade. Vai fazer funcionar embora seja MUITO óbvio que deste casamento não vá sair nada. Mas tem seu momento de epifania ao concluir que se mudando com a esposa pra uma moradia qualquer nota e tudo fracassar ao menos eles saberão a quem culpar e o que deu de errado.

Ps: O maior terror de um homem é uma sogra de nome Esperança.

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