domingo, 4 de julho de 2010

"O Som e a Fúria ¹", por Marina Paula


Quatro jovens em um palco, entoando os primeiros acordes de “Whatcha gonna do about it?”... Ora, certamente eles estão usando ternos, e logo estarão declamando “Eu quero que você saiba que eu lhe amo, querida. Quero que você saiba que eu me importo”. Estamos nos anos 60, na capital inglesa e estes são os Small Faces. Certo?

Errado. Continuamos em Londres, mas em 1975. Agora, muito mais lixo nas ruas e uma insatisfação cada vez maior por parte da população. Dez anos se passaram desde o lançamento do primeiro single daqueles que foram um dos principais símbolos mod do Reino Unido. Chegava a hora de uma nova geração ganhar sentido. Naquele momento, em um pequeno espaço da Saint Martin’s College, um outro quarteto fazia sua primeira apresentação. Os acordes eram os mesmos, mas as roupas rasgadas e a guitarra completamente distorcida já antecipavam o que os grunhidos de seu vocalista viriam abertamente declarar: “[...] saiba que eu lhe odeio, querida. [...] saiba que eu não me importo”. Agora são a sujeira e a raiva, por muito contida pelos habitantes dos bairros da working class londrina, que invadem também as suas músicas, e será justamente este cenário, determinante para o surgimento dos Sex Pistols e o instante em que começava a se disseminar a cultura punk na Inglaterra, o escolhido para o tema do filme O Lixo e a Fúria (2000).

Tendo sido uma espécie cinegrafista particular dos Pistols no início da carreira, não surpreende que mais este filme sobre eles receba a assinatura de Julien Temple na direção. Vinte anos após o lançamento de The Great Rock ‘n’ Roll Swindle, bastante criticado pelos integrantes, especialmente John Lydon (aka Johnny Rotten), por acharem que o filme apenas retratava a versão do empresário Malcom McLaren sobre a história da banda, lhes é dado o direito de resposta. A partir de imagens de arquivo (boa parte registrada pelo próprio Temple), antigas e recentes entrevistas com os músicos e diversas colagens de cenas retiradas de programas de televisão da época, comerciais, animações, etc., Temple remonta a mesma história contada no filme anterior, agora seguindo a perspectiva dos integrantes.

As declarações de McLaren sobre o assunto dizem que a banda surgira a partir de um novo conceito seu, junto com a designer Vivienne Westwood, de usar as pessoas para expor suas obras de arte. Toda a vestimenta, sonoridade e postura dos Sex Pistols seriam, portanto, um produto da sua criatividade e os garotos, apenas marionetes que ele levaria aonde quer que entendesse. Para confrontar os argumentos da banda com os do empresário, o principal recurso utilizado fora fazer um apanhado histórico do momento vivido pelos então jovens de classe operária antes de formarem a banda (antes da interferência de McLaren), a fim de explicar os motivos que os levavam a certos comportamentos e atitudes pelos quais suas imagens foram imortalizadas.

Entre os discursos ora raivosos, ora emocionados do vocalista John Lydon, somos apresentados à realidade e às agitações de uma Londres caótica que, cada vez mais, caminhava em direção ao conservadorismo da era Tatcher. Além de, obviamente, fazer um apanhado completo sobre a trajetória do grupo, desde a infância de cada um dos integrantes até a turnê americana que marcaria o fim de sua carreira (onde são usadas as imagens do longa de estréia de Lech Kowalski, Dead on Arrival), Julien Temple se preocupará em mostrar como toda a confusão presente na cidade durante os anos do enfraquecimento definitivo do partido trabalhista fora decisiva para determinar a quantidade de sujeira e descontentamento que seriam incorporados pelo som da banda. Será, então, usando as imagens dos conflitos dos trabalhadores, da greve do recolhimento do lixo e de todos os problemas que afligiam o país entre os anos de 1975 e 1978, que o filme conseguirá provar: os grunhidos e desafinos de Johnny Rotten faziam todo o sentido.

1 The Sound and the Fury é o título original de um romance de 1929, escrito por William Faulkner, que sevira de inspiração ao título de uma matéria do jornal The Daily Mirror sobre os Pistols, que, por sua vez, inspirara o título do filme.

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